Nas variadas formas de escrever poesia para crianças, o que mais conta é a arte de se aproximar dos seus jogos de sons e de palavras, como forma de descobrir outros mundos ou dar a conhecer o verso e reverso de todas as coisas. É isso que faz de modo exemplar João Pedro Messeder (nascido no Porto em 1957, nesta cidade estudou línguas e literaturas e aqui exerce o ofício de ensinar "o pouco que sabe"), que se estreia na poesia com este livro singular Versos com Reversos, numa colecção destinada às crianças e aos jovens. Claro que sabemos que desde Fernão de Oliveira "a gramática é arte que ensina a bem ler e falar" e com João de Barros, ainda na memória dos gramáticos portugueses de Quinhentos, se proclamara que "ao homem é natural a fala". E talvez seja dentro deste propósito literário e poético que João Pedro Messeder, ao brincar com as palavras, sabe dos segredos que dentro delas se esconde: «Diz-se das palavras / que cantam como a água, / diz-se das histórias /que trabalham a memória /e que são como as amoras: / tiras uma, tiras duas/ tiras três, tiras quatro,/ ninguém consegue parar / de ouvir quem sabe contar».E assim oferece aos seus leitores mais pequenos uma espécie de "gramática", em que a oralidade encontrada e o tom poético das rimas leva a descobrir o sentido e a forma de poder explicar, numa carga metafórica digna de registo, como a gramática ou a tabuada deve entender-se a rimar e a sorrir pela forma aliciante de a ensinar desta forma: «Dois vezes dois quatro / Engraxa-me os sapatos. / Dois vezes três seis / Ganhas uns vinténs. / Dois vezes cinco dez / Escova os canapés». E na definição das formas e sentido das palavras, no segredo oculto ou ignorado que por elas se desvenda, tudo se deve explicar e entender como faz sentido que o poeta fale ainda aos mais pequenos e aos jovens da noite e da lua, do silêncio e do vento, das nuvens e das pedras, do rio e do mar, do escuro e das estrelas: «Das estrelas não sei nada / Sei apenas que lá estão». Assim, neste imaginário de cariz marcadamente didáctico, sem nada perder da sua evidente intenção poética, João Pedro Messeder estabelece os sinais e símbolos das várias histórias poéticas que narra e descodifica com uma certa ingenuidade expressiva e vocabular. Mas no modo de tudo saber explicar, sobretudo, com a preocupação de ocupar esse imaginário com o seu sabido e experimentado ofício de ensinar, o que mais se impõe na construção destes Versos com Reversos é ainda a atitude de utilizar as próprias palavras e com elas tecer outros sonhos no espírito dos leitores e pelo uso certo e adequado da linguagem, em seu louvor e simplificação, desejar transmitir, em nítida oralidade e expressividade, o sentimento do mundo que, na lembrança de Duarte Nunes de Lião, faz compreender que «antigo dito é que muitos mais são os negócios que os vocábulos e, como os conceitos dos homens são infinitos e as palavras finitas, necessariamente as inventamos ou buscamos ou tomamos emprestadas de outras gentes». E, dizemos nós, não apenas as palavras, mas também nos "sinais" mais evidentes que, pelo seu sentido mágico, evocam esse propósito pedagógico de saber falar de coisas sérias a rir e a brincar, captando do quotidiano o lado mais visível ou legível para falar de outros mundos de sonho e de alegria, e a que os belos desenhos de Danuta Wojciechowska conferem outra dimensão nesse jogo vocabular de descobrir nomes e palavras que retratam ainda a mesma ou outra realidade. Serafim Ferreira Crítico literário João Pedro Messeder VERSOS COM REVERSOS Ilustrações de Danuta Wojciechowska Ed. Caminho / Lisboa, 1999.
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