Página  >  Edições  >  N.º 79  >  «Senhor Doutor Enfermeiro»

«Senhor Doutor Enfermeiro»

Os enfermeiros e a enfermagem vivem momentos difíceis. E andam cansados. São muito poucos para as necessidades das unidades de saúde e dos seus utentes, muitos deles têm duplo e mesmo triplo emprego, quando chegam à profissão são lançados às feras e os estudantes de enfermagem estão a ser empurrados para o mercado de trabalho, sem lhes darem a possibilidade de fazerem a recém-criada licenciatura.
Não se admire se da próxima vez que for a um hospital ou ao centro de saúde da sua zona ouvir falar espanhol. Não serão certamente turistas a visitar o nosso País, podem ser médicos, mas o mais certo é serem enfermeiros. Os portugueses há muito que não são suficientes.
Inexplicavelmente, um estudo feito em 1994 pelo Ministério da Saúde concluiu que havia enfermeiros a mais. A partir daí, limitou-se a entrada nas escolas de enfermagem e congelaram-se os lugares de quadro nos hospitais. Mas foi um erro de cálculo por parte dos Recursos Humanos do Ministério da Saúde, um erro que se está a pagar caro. Faltam entre seis a oito mil enfermeiros. Depois dos espanhóis é provável que cheguem brasileiros e mesmo filipinos.
E por causa da iminente ruptura nos hospitais, devido à falta de enfermeiros, o Ministério da Saúde quer que os estudantes que terminem o terceiro ano (bacharelato) entrem logo no mercado de trabalho. A alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo, em 1997, acabou com os CESEs (Cursos de Estudos Superiores Especializados) e criou licenciaturas de raíz para o ensino politécnico, abrangendo, por isso, as escolas superiores de enfermagem.
Em princípio, no próximo ano lectivo entra em vigor a legislação que cria a formação básica dos enfermeiros ao nível de licenciatura, mas existem muitas dúvidas sobre a forma como se fará a complexa transição do actual modelo de bacharelato para a licenciatura e de quem vai ter prioritariamente acesso à formação básica actualizada, se os estudantes, nomeadamente os que estão a concluir os bacharelatos, se os enfermeiros bacharéis que já estão no terreno.
A grande polémica prende-se precisamente com os alunos que actualmente frequentam o último ano do curso superior de enfermagem ˆ grau de bacharel ˆ e que desejam que lhes seja dada a possibilidade de transitarem para o curso de licenciatura em enfermagem. Uma exigência que tem o apoio incondicional do Conselho de Directores das Escolas Superiores de Enfermagem. O Ministério da Saúde contesta esta opção e defende-se com a falta de enfermeiros, mas, como explica a presidente da Federação Nacional das Associações de Estudantes de Enfermagem (FNAEE), Helena Carneiro, «nós não nos estamos a formar para preencher vagas, mas sim para prestar melhores cuidados de saúde».
Os estudantes de enfermagem, acrescenta Maria Arminda Costa, directora da Escola Superior de Enfermagem do Porto, «têm os mesmos direitos dos outros, como tal, por que razão lhes tem de ser aplicado um princípio diferente?». «A tutela quer servir-se de nós para preencher lugares no mercado de trabalho», conclui Helena Carneiro.
Reunidos recentemente em Lisboa, os directores das escolas de enfermagem garantiram que as escolas estão preparadas para receber os estudantes do terceiro ano que desejem transitar para o curso de licenciatura em enfermagem «sem prejuízo do número de vagas para o curso de licenciatura, já enviado, bem como do desenvolvimento do Curso de Formação Complementar que permitirá aos titulares do grau de bacharel em enfermagem ou equivalente legal a aquisição do grau de licenciado».
Um inquérito realizado o ano passado pela FNAEE em todas as escolas de enfermagem revelou que 27 a 30 por cento dos estudantes estariam interessados em entrar já no mercado de trabalho, mas as escolas garantem que estão preparadas, independentemente do volume de alunos.
Toda esta reestruturação ao nível do ensino da enfermagem passa também pela integração das escolas superiores, que já fazem parte do ensino superior politécnico, em institutos politécnicos e, onde estes não existirem, em universidades. Por outro lado, estas mudanças surgem também integradas numa reestruturação progressiva do ensino e formação na área da saúde.
Mas porque se fala de ensino, é necessário não esquecer os docentes de enfermagem. São 598 com uma média de idades de 44,5 anos, sendo que 530 têm menos de 54 anos, 68 mais de 55 e 30 mais de 60 anos. Dois professores têm 65 anos, um 66 e quatro 67 anos. Há quem fale de envelhecimento e desfasamento das práticas actuais, mas são quase todos enfermeiros provenientes do terreno e têm dado provas de dinamismo, quanto mais não seja porque após a integração no ensino superior houve quem começasse a fazer mestrados e doutoramentos, sem abandonar a actividade docente. E também há quem esteja a fazer investigação.
Preocupados com a situação dos estudantes de enfermagem, e mais propriamente com a formação dos enfermeiros, estão também os sindicatos da classe que defendem as licenciaturas de raíz. Mas as guerras não são só estas. O Sindicato dos Enfermeiros do Norte, que tem liderado uma greve faseada, defende, entre outras coisas, que a reforma deve ser adquirida ao final de 30 anos de serviço e luta pela equivalência do índice cem dos enfermeiros ao índice cem da carreira técnica e dos docentes do ensino básico.
Independentemente de tudo isto, é um facto que os enfermeiros têm um grande poder, um exemplo disso é o facto de se prepararem para eleger o/a primeiro/a bastonário/a da Ordem dos Enfermeiros. Mas não é só por aí que se percebe a sua importância no sector da saúde e na sociedade em geral. Muito do trabalho que faziam há algumas décadas atrás está a cargo das auxiliares de acção médico. Os enfermeiros, agora, dedicam-se a trabalhos de responsabilidade, como exige a evolução tecnológica.
Alargaram a sua acção e estão cada vez mais perto dos médicos. Inclusivamente há serviços onde já desempenham actos que ainda são do foro médico. Além disso, têm um regulamento que lhes dá alguma autonomia e já atingiram o topo da carreira nas administrações, com o cargo de enfermeira-chefe. Com as licenciaturas a caminho há mesmo quem não hesite em falar de senhor/a doutor/a enfermeiro/a.

Luísa Melo


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 79
Ano 8, Abril 1999

Autoria:

Luísa Melo
Jornalista
Luísa Melo
Jornalista

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo