Para o António Leite
Não é raro um artigo dedicado a Clint Eastwood abrir com uma forma como "o último cavaleiro solitário", "o último dandy" ou ainda "o último clássico". Nas páginas dos "Cahiers du Cinéma" aquando da estreia de "A Perfect World", Camille Nevers intitulava o seu texto - brilhante, por sinal - "Eastwood, the last action hero". A meio dos anos sessenta, de volta a Hollywood, depois da "trilogia do dólar" de Sergio Leone, Clint Eastwood conheceu James Stewart. Este último, disse-lhe que o considerava como um dos únicos a parecer-se com os velhos, "os da velha escola", na linha de Gary Cooper ou John Wayne. Eastwood dizia na estreia de "Unforgiven" que gostava da ideia de ter realizado "o último western". É inegável, Eastwood encarna uma ideia de finitude. Chegado ao cinema pelo género, o western, é protagonista de uma dupla desaparição: a do Oeste e da sua conquista - com a qual coincindem os inícios do cinema, e a do género que sempre tentou fazer - mas também a do próprio western. A consagração de Eastwood - actor constituiu-se sobre / com o enterro à italiana do western, antecipando o seu declínio efectivo na década seguinte, esses anos setenta que levaram com eles, igualmente, a idade do ouro hollywoodiana. É naturalmente que esta série de conjunções - a América, o cinema, a modernidade, o Oeste, o western, os estúdios - marca a figura eastwoodiana com um selo particular, o da melancolia. Quando virou realizador, escolheu fazer a sua obra de retornos regulares ao género que o revelou, olhando para ele de cada vez diferentemente, mas sempre de um modo crepuscular, como sob a influência de uma qualquer fatalidade. O realizador não se contentou em visitar a História do Oeste, atreveu-se sobretudo a atravessar, filme após filme, a História do seu país e o que faz a sua especificidade - a Depressão em "Honkytonk Man", os anos 60 em "The Bridges of Madison County" - sabendo em cada ocasião retornar ao mito americano. A Geografia não está muito longe da História - sobretudo na América e as paisagens de cada um dos filmes de Eastwood contribuem muito para as histórias que ele conta. Sempre concreto e sensorial, a geografia nunca é fria mas sim climática. A tempestada em "Unforgiven", o ar puro em "A Perfect World", o calor em "The Bridges of Madison County", cada paisagem é "climatizada". Com "Midnight in the Garden of Good and Evil", Eastwood leva a experiência mais longe que nunca: as personagens, o tempo do filme, e seguramente Clint Eastwood ele próprio, parecem deixar-se enlanguescer, engordar por este velho Sul de ritmos particulares e característicos. Mas o que interessa ao realizador (e actor) antes de tudo, e ele nunca o escondeu, é o pequeno h: contar uma boa história da melhor maneira possível. Em todo o caso, o que não se cansa de repetir aos jornalistas, entrevista após entrevista, com uma modéstia árida no limite de provocação que não pode deixar de fazer lembrar as respostas de John Ford. E quando lhe perguntam se se considera um autor, responde que se vê sobretudo como "um tipo que faz filmes". Como não ouvir o eco do mestre: "My name is John Ford. I make westerns"? Existe igualmente um parentesco de estrutura. Da mesma maneira que em Hollywood havia a "tribo Ford", trabalhando sob a bandeira da Agosey Pictures, há hoje uma "tribo Eastwood", uma sociedade de produção, Malpaso Company, e uma continuidade que se verifica nos genéricos: Jack N. Green na fotografia, Lennie Niehaus na música, Joel Cox na montagem, Tom Rooker na produção. É, sem dúvida nisto, que reside o classicismo de Clint Eastwood, no que é um dos últimos representantes - ao lado de John Carpenter - nesta aparente simplicidade com que aborda os seus filmes e a maneira de os realizar. Trabalha o classicismo como fonte, e a simplicidade, longe de levar o seu cinema para a platitude, eleva-o a um apaixonante grau de pureza. O grande talento de Clint Eastwood é saber abstrair-se para compôr um mundo que lhe é próprio, conseguindo assim, um espaço de respiração no cinema moderno. A sua obra funda-se na duração e não pára aí. É por isso que não se deve querer compreendê-la, nem rapidamente, nem facilmente. Deve-se deixá-la chegar até nós e deixá-la repousar. Rilke escrevia do pintor dinamarquês Hammershoi que "a sua obra é lenta e de longa duração, e em qualquer altura em que se a admira, será sempre ocasião de dizer o que de importante, de essencial há na arte". Paulo Teixeira de Sousa Esc. Especializada de Ensino Artístico Soares dos Reis / Porto.
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