Página  >  Edições  >  N.º 77  >  Escolas Profissionais - Que Futuro?

Escolas Profissionais - Que Futuro?

Passam agora dez anos desde que o ensino profissional começou a dar os primeiros passos em Portugal. Um período de maturidade suficientemente longo para permitir uma avaliação dos seus sucessos e dos seus constrangimentos, e tentar descortinar qual será o futuro deste subsistema de ensino. Uma das principais críticas apontadas à escola é a sua incapacidade de preparar para a vida activa. Uma crítica talvez justificada, já que são milhares os alunos que todos os anos terminam a escolaridade sem que tenham adquirido as competências necessárias à vida activa, apresentando-se no mercado de trabalho sm diploma ou qualificações. A fraca oferta de emprego qualificado, os baixos indíces de remuneração a falta de reconhecimento das habilitações por parte das empresas são algumas razões que, porventura, mais contribuirão para o desinteresse pela formação.
Nos últimos 15 anos, o Ministério da Educação tem tentado encontrar um modelo credível para a restruturação do ensino secundário. Um esforço que se iniciou em 1983, através da experimentação de um novo modelo de formação técnico-profissional no âmbito do ensino secundário regular, com um plano curricular em muito semelhante à tradicional via de ensino, através do qual, grosso modo, se pretendia dotar o país de mão-se-obra qualificada. A afectação de recursos, porém, não correspondeu à ambição do projecto e as escolas debateram-se com alguns problemas graves, nomeadamente a falta de equipamentos e especialistas qualificados em determinadas áreas tecnológicas.
Mas outros constrangimentos transpareceram. Uma avaliação realizada a este modelo veio revelar que o ensino técnico profissional se confrontava com "significativas limitações", segundo afirmou na altura Joaquim Azevedo, ex-secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário: escasso envolvimento dos professores, alunos, pais, empresários e autarcas, desajustamento entre oferta e procura de cursos - com excedentes permanentes na oferta, ausência de financiamento significativo, currículos uniformes e rígidos, programas decalcados do ensino académico genérico, falta de informação junto dos jovens e dos empregadores. Entretanto, entre 1986 e 1989, a procura foi aumentando para atingir os 23 mil alunos.
Nesse ano, uma nova experiência emergiria através da publicação do decreto-lei 26/89, que regulamentava a criação das escolas profissionais e viria a constituir-se como uma espécie de segunda "revolução" neste subsistema de ensino.
Uma das inovações introduzida por esta regulamentação residia no próprio modelo, baseado em protocolos previamente acordados entre os promotores, desde autarquias a organizações sindicais, empresas, cooperativas, instituições de solidariedade social, implicando uma verdadeira corresponsabilização na criação da escola e na posterior inserção dos alunos no mercado de trabalho. Uma segunda novidade verificou-se ao nível da delegação de autonomia pedagógica, administrativa e financeira. Esta autonomia permitiu que cada escola pudesse construir o seu curriculo, definindo os saberes e as competências que melhor se ajustavam ao perfil profissional dos cursos e às necessidades da comunidade local. Apesar de balizada por uma matriz disciplinar aprovada pelo Ministério da Educação, que cobria uma parte de formação geral e outra de formação específica, esta autonomia conferiu a possibilidade de implementar uma organização e uma estrutura mais flexíveis. A terceira grande diferença estava na natureza das escolas profissionais: unidades de pequena dimensão, instaladas perto das necessidades de emprego, a permitir um acompanhamento dos alunos no contexto escolar e laboral.
Actualmente existem cerca de 25 mil alunos matriculados nas 175 escolas profissionais portuguesas - 160 no continente e 15 nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira -, uma média de 156 alunos por cada estabelecimento de ensino. O limite máximo de alunos por turma foi fixado em 25 alunos por turma e o mínimo em 18 alunos, exceptuando casos específicos de escolas no interior ou de cursos como é o exemplo dos cursos de cariz artístico. São dezasseis as áreas de formação actualmente oferecidas: Administração, Serviços e Comércio; Agro-alimentar; Ambiente e Recursos Naturais; Artes do Espectáculo; Artes Gráficas; Construção Civil; Design e Desenho Técnico; Electricidade e Electrónica; Hotelaria e Turismo; Informação, Comunicação e Documentação; Informática; Intervenção Pessoal e Social; Metalomecânica; Património Cultural e Produção Artística; Química; e Têxtil, Vestuário e Calçado. Os cursos mais procurados, e também os que garantem uma maior taxa de empregabilidade, são os dos serviços - Hotelaria e Turismo e Administração e Serviços - e os das novas tecnologias, como Informática.
Segundo um relatório de avaliação elaborado em 1992, a população escolar matriculada no 1º ano compreendia 50% de menores de 18 anos, 35% com idades entre os 19 e os 21 anos e apenas 15% com mais de 21 anos. Uma população escolar de certo modo desfasada face às idades de frequência do ensino secundário, da qual apenas 16% ingressaram com idade igual ou inferior a 16 anos. A elevada percentagem de alunos que se decidem pelo prosseguimento de estudos no ensino superior, cerca de 15 por cento do total, segundo números divulgados pela Associação Nacional de Escolas Profissionais (Anespo), mostra que as escolas profissionais, embora não seja essa a sua vocação prioritária, constituem uma alternativa para o prosseguimento de estudos.

Refundação ou falta de reconhecimento?

Mas, mais do que os números, importa fazer um balanço crítico.
Francisco Jacinto, professor na Escola Secundária Infante D. Henrique - estabelecimento de ensino vocacionado para o ensino profissional -, no Porto, e ex- director do Gabinete de Ensino Tecnológico, Artístico e Profissional (GETAP), é da opinião de que não existe ainda uma afirmação plena deste subsistema e a vontade política para o fazer. "Não interessa dizer no discurso político que se é a favor do ensino profissional. Se ele realmente fizesse parte da política educativa do Estado, as verbas para o seu funcionamento deveriam estar já incluídas no orçamento de Estado para a Educação". O desinvestimento oficial é tanto mais evidente, refere, quando se sabe que o funcionamento das escolas profissionais continua a estar associado às verbas provenientes de fundos comunitários. "É completamente contraditório. Ou faz parte do sistema educativo e o Estado assume a quota parte de responsabilidade, como faz para os outros, ou então é marginal e não interessa. É esta contradição que importa esclarecer". Razões suficientes para afirmar que "está-se ainda longe de uma fase de consolidação".
Já Fernanda Ramos, presidente da Associação nacional de Escolas Profissionais, prefere falar de uma fase de "refundação" das escolas profissionais, decorrente do novo regime jurídico consagrado pelo Decreto-Lei 4/98. Um enquadramento legal que, segundo o Ministério da Educação, pretende "renovar a aposta no ensino profissional, permitindo a consolidação das escolas profissionais como instituições educativas, e introduzir no sistema educativo uma via própria de estudos de nível secundário alternativa ao ensino secundário regular" . Tudo, referiu Marçal Grilo, porque o actual governo "encontrou uma situação de algumas fragilidades e ambiguidades que afectavam o processo de criação das escolas, a natureza jurídica dos promotores, a responsabilização pedagógica e financeira dos órgãos das escolas e o próprio modelo de financiamento". Enfim, "um sector do ensino secundário demasiado importante para poder ser mantido numa indefinição e de subalternidade", diz o ministro.
"Mas se apenas agora se vai solidificar, então é porque até aqui se dessolidificou", explica com ironia Francisco Jacinto. Sendo este um subsistema realmente alternativo ao ensino regular, o número de alunos deveria ter crescido exponencialmente em relação a ele. Mas tal não aconteceu". As estatísticas demonstram-no. Desde 1991, altura em que estavam inscritos cerca de 23 mil formandos, esse número apenas cresceu em dois mil alunos. Uma formação de segunda escolha, portanto.
A explicação para este "adormecimento" poderá talvez ser encontrada em factores de ordem social, diz Jacinto. "No nosso país continua a defender-se uma formação exclusivamente superior". Mesmo em 1983, ano de lançamento do ensino técnico-profissional, a "bandeira" da possibilidade de prosseguimento de estudos na universidade teve de ser agitada como forma de captar alunos.
Então, de que forma se pode contrariar esta tendência? Francisco Jacinto põe a ênfase no modo como o ensino profissional deve ser publicitado junto dos potenciais candidatos. Nomeadamente através da melhoria do serviço de orientação vocacional prestado no final do 3º ciclo. Depois, não interessa apenas criar um curso. "É preciso realizar um acompanhamento permanente do mesmo, de forma a que possa progredir e evoluir de acordo com as novas conjunturas, e estabelecer incentivos à fixação dos formandos". A avaliação de resultados também é fundamental. "Cada escola deve criar uma cultura de avaliação no seu interior e ser responsabilizada pelos resultados obtidos".

Num universo de interrogações

A caminho do auto-financiamento?

O auto-financiamento das escolas profissionais é ainda uma questão em aberto e não consensual. Na opinião de Francisco Jacinto, ou o ensino profissional é definitivamente parte integrante do sistema educativo e o Estado assume a quota parte de responsabilidade, à semelhança dos outros, ou então torna-se algo de marginal. "É falicioso pensar que o auto-financiamento do ensino profissional passa pela desresponsabilização do Estado e que sendo o sector particular a promovê-lo então deve ser ele próprio a fornecer os instrumentos financeiros para a sua subsistência. Se assim fôr, corre-se o risco de diminuir a abrangência do ensino profissional e de só o frequentar quem tiver disponibilidade financeira para o fazer".
A Anespo também não pensa no auto-financiamento como uma questão linear. Segundo Fernanda Ramos, "o auto-financiamento das escolas profissionais só poderá advir da prestação de serviços, seja a entidades públicas ou privadas, e logo depender das actividades desenvolvidas por cada estabelecimento e da criação de mecanismos financeiros dos mesmos". Mas esta responsável não antevê que "no horizonte de alguns anos" as escolas consigam o pleno auto-financiamento.
O valor e a pertinência da propina pago neste subsistema de ensino é outra das questões polémicas. Após um período de negociação como Ministério da Educação, foi estabelecido um tecto máximo no valor de 5 mil escudos mensais. Um valor legítimo se se tiver em conta que o Estado português e a União Europeia apenas financiam o funcionamento da escola. Tudo o que diga respeito a aquisição de equipamento ou pagamento de instalações tem de ser financiado através de encargos bancários. Apesar de ter como destino específico a "assumpção de despesas não elegíveis no âmbito dos financiamentos públicos", a propina a pagar pelos alunos poderá atingir, na prática, os 45 contos anuais. Um valor praticamente equivalente ao dispendido no ensino superior público.
A isenção aplica-se exclusivamente aos agregados familiares cujo rendimento 'per capita' não ultrapasse os 28 contos mensais. Excusado será dizer que o número de famílias a beneficiar deste sistema não será elevado. Nem mesmo uma família cujos elementos activos aufiram um rendimento médio equivalente a dois salários mínimos, e tenham dois filhos ao seu encargo, por exemplo, já que, nesse caso, o tecto salarial elevar-se-ia a cerca de 126 mil escudos. Dividindo o total por quatro parcelas, obtém-se um resultado aproximado de 32 contos.
Neste domínio, Francisco Jacinto é contundente: "se ensino profissional é parte integrante do ensino secundário, logo não faz sentido que os alunos paguem qualquer propina".

Desajustamento entre formação e emprego

E qual a verdadeira capacidade de integração dos formandos no mercado de trabalho, objectivo primeiro deste subsistema de ensino?
De acordo com Fernanda Ramos, a percentagem de empregabilidade dos diplomados é da ordem dos 65 por cento, variando em função do curso. Para este sucesso relativo em muito tem contribuido o tecido empresarial português, que tem sido receptivo na aceitação de formandos e na organização de estágios, assim como na participação nos júris de avaliação das Provas de Aptidão Profissional (PAP). Positivo é também o facto de muitas associações empresariais estarem já directamente envolvidas com as escolas profissionais, aumentando, na prática, as taxas de colocação.
Mas nem tudo é cor de rosa. Como o demonstra Maria João Santos, professora do Instituto Superior de Economia e Gestão, que num recente congresso dedicado aos Ensinos Científico-Tecnológico e Profissional afirmou que "importaria questionar até que ponto seria possível aos agentes económicos inventariar ou fazer uma análise prospectiva das suas necessidades de formação profissional e requesitos de qualificação, a tempo de os sistemas de formação reorganizarem os seus planos curriculares, formarem formadores e conseguirem colocar no mercado os formandos sem que este hiato de tempo não houvesse um eventual desajustamento face às transformações entretanto ocorridas". Tudo, para concluir que "o sistema de formação e mercado de trabalho obedecem a lógicas e a 'timings' diferentes".
Assim, e ainda de acordo com Maria João Santos, deve "repensar-se as estratégias de ajustamento entre sistema de formação e o mercado de trabalho", tarefa que assentaria em três pressupostos: uma melhor articulação entre formação e inicial e contínua, um papel mais activo dos trabalhadores e das empresas na aprendizagem ao longo da vida profissional e uma parceria efectiva entre as empresas e o sistema de ensino-formação. Um sistema de ensino e de formação inicial que, antes de mais, deve proporcionar a capacidade de "aprender a aprender", preparando os alunos para uma vida profissional "imprevisível" que contempla hoje, em média, para cada trabalhador, nove empregos e três carreiras diferentes.
No mesmo sentido vão as palavras de Joaquim Azevedo, no papel de director do Instituto Empresarial Portuense, quando, neste mesmo encontro, se referiu à necessidade de "definir a médio prazo a evolução adequada e previsível da oferta e da procura do ensino tecnológico e profissional em Portugal".
Criticando o "sistema de planeamento ano a ano, quando não mês a mês", Azevedo referiu-se a uma definição que implicaria não só uma consideração global e regional das principais necessidades de formação, como também a clarificação da rede de instituições de ensino e de formação, tanto de âmbito público como privado. Sobretudo, referiu na altura, "uma definição política mais global acerca da evolução desejável deste nível de ensino e formação". Uma tarefa que, na sua opinião, competiria à administração educacional, em diálogo com os parceiros sociais, cujas opções deveriam ser objecto de uma "contratualização social".
Francisco Jacinto corrobora este argumento. "É muito mais fácil formar hoje operadores para um determinada máquina do que fazer uma formação inicial que depois necessite de uma adaptação constante que permita projectá-la no futuro. A definição de uma formação não pode ser efectuada com base nas necessidades mais imediatas e na conjuntura, senão cai-se no erro do imediatismo".

Ricardo Jorge Costa


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 77
Ano 8, Fevereiro 1999

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo