Depois de ver "Blow Up" de Antonioni os elogios hiperbólicos não param na nossa cabeça. O pronome pessoal "EU" parece-me ser o veículo ideal para vos passear pelo filme. Eu sou um fotógrafo na moda na Londres de 1967. Eu tenho 30 anos. Eu não acredito em nada. Eu sou anarquista. E doce. Sei o que me agrada. Fotografo Londres, fotografo raparigas, manequins. Durmo quando quero, tenho um Rolls. Lavo-me quando posso. Tenho vagamente uma mulher. Acredito na realidade. Um dia, passeio no parque. No verde do chão, vejo um casal. Um homem e uma mulher abraçados. O que faço? Fotografo-os. De repente, a mulher apercebe-se da minha presença e corre para mim. Suplica-me que lhe dê a película que está na máquina. Recuso, ganho a vida desta maneira, sou fotógrafo. Ela insiste. Eu continua a recusar. Volto para casa. Não penso mais nisso. Não penso mais nisso e à tarde tocam à campainha. E revejo a mulher do parque. Ela tem qualquer coisa de inquietante, mas, enfim, ela é agradável de se ver, e "arrasto-lhe a asa". Ela provoca-me, despe-se à minha frente. Não vamos muito longe. Finalmente, falamos da fotografia, ela insiste, dou-lhe a película. Falsa. Eu sou um fotógrafo. Por acaso durante a noite lembro-me da história. Revelo a fotografia verdadeira. À primeira vista não vejo nada. Vejo em pormenor. Aumento o ponto de impacto do seu olhar. Começo a ver qualquer coisa. Um rosto. Aumento ainda mais. Sim, um rosto e um pouco à esquerda do rosto aumento ainda mais. O cano de um revólver. Não sei o que pensar. Telefono à mulher que me deu o seu número do telefone. Evidentemente, o número é falso. Aumento a fotografia até à incompreensão. De repente, apercebo-me do lado dos arbustos de uma mancha branca, por terra. Um cadáver. Saio. Penso que fui testemunha de um assassínio. Será que o provoquei? Ou evitei-o? Não sei nada, não vi nada, eu, foi a máquina que o viu. Atravesso o Hyde Park. Há uns jogadores de ténis a brincar. Jogam sem bola. As pessoas seguem o trajecto da bola. Ouve-se o ruído das bolas nas raquetes inexistentes. A bola sai do "court". Pedem-me para a devolver. Hesito, mas lanço-a. A noite terminou. É dia. Este filme representa, sem dúvida, uma meditação de Antonioni sobre o seu próprio trabalho. Digo, redigo e torno a dizer: é um filme prodigioso. É a primeira vez que Antonioni abandona a lentidão dos seu filmes anteriores. Filme rápido, como o tempo. Ele viu uma Londres extraordinária como nunca se tinha visto no cinema. Uma Londres aterradora. Nesse mesmo ano Marguerit Duras dizia aos microfones da RTL de Cannes: "Cannes está aqui. Pedras brancas e filmes. Um pouco como Calcutá. Foi construída como um teatro. Donde estou, num 4º andar, dir-se-ia que o palco é o mar. As notícias são assustadoras. Encontra-se aqui o jornal como vós o abris. Com terror. Haiphong arrasada. Já passaram onze dias sobre o golpe militar na Grécia. Na praia entretanto, há "marines" americanos que se fazem fotografar com as "Starlettes" de serviço.... Ah, é verdade, "Blow Up" ganhou a palma de ouro do Festival. Reparou-se, também, uma injustiça de 10 anos. Boa tarde." Paulo Teixeira de Sousa
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