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Autonomia da Escola com variações

Quando, no artigo anterior, situei a emergência do processo de autonomia das escolas no contexto das transformações socio-económicas que se traduziram na eminência do Mercado como princípio de regulação política, admiti, implicitamente, que a autonomia das escolas era uma expressão dessas transformações; e que, nessa linha, a profissionalização dos professores ficaria sujeita a uma lógica de formação e de acção, onde o referente de valor profissional se deslocava do ësaberí que se ensinava como um bem em si para um ësaberí como investimento económico, dependente da procura.
Se bem que se possa afirmar que o saber em si nunca tenha deixado de ser um valor económico, o seu controlo administrativo e político por parte de quem o detinha, associado ao controlo do sistema produtivo, mantinha-o numa esfera aparentemente neutra e, portanto, indisputado, donde podia ser distribuído sem conflitos. A sua capitalização, deliberadamente promovida a partir dos princípios dos anos 60 pelas teorias económicas do capital humano, faz dele uma base fundamental do desenvolvimento económico, tanto dos Estados, como das famílias, como ainda das empresas e dos indivíduos.
A massificação das escolas foi o fenómeno que daí resultou. A proliferação das teorias educativas que tentam responder aos seus efeitos contraditórios - socio-economicamente inversos dos pretendidos - desde a Pedagogia Compensatória e Pedagogia por Objectivos até à individualização do Ensino e Contrato Didáctico, com toda a sua bateria científica e técnica de apoio, tem-se revelado sucessivamente impotente para resolver a crise da Escola, se entendermos por crise a instabilidade crónica do sistema educativo.
Esta espécie de institucionalização da crise, que é cómodo pensar-se como interna e específica da escola, justamente porque impede que se pense que a crise não é da Escola, tende a aprofundar-se à medida que os problemas da escola são vistos como problemas escolares, quando, na verdade eles são problemas sociais que se revelam e potenciam na escola.
Esta pequena verdade à La Palice encerra, hoje, algumas potencialidades cujos efeitos analíticos não são desprezíveis para se compreender o que está em causa na autonomia. A escolarização dos problemas sociais ou a transformação dos problemas sociais em escolares por naturalização das diferenças sociais, de que se ocuparam a psicologia e demais ciências da educação, promoveu largamente uma visão da escola como uma instituição cujo funcionamento é redutível a comportamentos psicologicamente geríveis e, portanto, interpretáveis e reguláveis à luz de factores individuais, individualmente atribuíveis. Esta visão que privilegiava a escola como uma extensão da sala de aula, onde aquele modelo era especialmente prestável, não se alterou no essencial, além de mais porque é muito conforme ao senso comum. Agora, que os problemas sociais estão profundamente psicologizados e pouco politizados, - o que quer dizer que as normas e referentes da acção ou dos comportamentos sociais não têm outra mediação que não seja a dos interesses psicologicamente sensíveis -, torna-se impossível continuar a seguir aquele modelo pela simples razão de que se tornou impossível separar o social do escolar no espaço da Escola.
A autonomia propõe-se responder a esta impossibilidade. Ela pretende reconciliar o escolar com o social através do Projecto local. Socializar o escolar, escolarizar o social poderia ser a sua palavra de ordem. Não será, então, um eufemismo chamar a isto autonomia, quando parece estar suposta a dissolução da Escola? Ou será de outra Escola que se fala?

Manuel Matos


  
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Edição:

N.º 73
Ano 7, Outubro 1998

Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

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