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Reestruturação em curso não resolve problemas de carreira profissional

Conservatórios de Música atravessam mudanças

Os cinco conservatórios de música existentes em Portugal estão a atravessar uma fase de reestruturação. Na sequência do Relatório de Avaliação do Ensino Artístico, conduzido em 2007 pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, e da proposta de reorganização avançada pelo Ministério da Educação, estas escolas de ensino artístico especializado foram convidadas a apresentar projectos educativos que respondam aos seus actuais constrangimentos e lhes abram perspectivas de futuro.
Muitas questões, porém, ficam ainda por resolver. Essa, pelo menos, é a opinião de alguns docentes do Conservatório de Música do Porto (CMP) que a PÁGINA teve oportunidade de entrevistar.
Uma das questões levantadas diz respeito ao actual currículo. De acordo com Fernando Valente, professor de Análise e Técnicas de Composição e presidente do Conselho Pedagógico do CMP, "há uma grande necessidade de revisão dos planos de estudo e, sobretudo, dos programas". Referindo-se às excepções que constituíram a reforma do ensino da música de 1930 e uma experiência pedagógica de 1971, que não chegou a ser avaliada, Fernando Valente refere que "as necessidades de actualização, tendo em conta as orientações programáticas oficiais, têm sido resolvidas na medida do possível pelos próprios conservatórios". É o caso dos programas de algumas disciplinas, Formação Musical, de instrumentos "clássicos", de guitarra, de classes de conjunto, entre outros.
"É preciso mudar muita coisa, seja em relação aos currículos, aos programas ou à carga horária", diz Cristina Coelho, professora destacada de Violoncelo, exemplificando com o escasso tempo dedicado pelos alunos ao domínio do respectivo instrumento. "Essa formação deveria ocorrer pelos menos duas vezes por semana, mas neste momento está limitada a um bloco de 50 minutos". "Os conservatórios têm como missão a formação aprofundada e especializada em música. É isso que têm cumprido ao longo dos anos. O que existiu foi um grande alheamento pela tutela, desde há muito, por este subsistema de ensino", afirma esta docente. Quando decidiu rever essa situação através do Decreto-Lei n.º 310/83, de 1 de Julho, a tutela, diz, "não foi capaz de compreender que, sem ser especial, o ensino específico das artes tinha as suas particularidades de funcionamento". Desde então, esse problema manifesta-se sempre que, "por ignorância, por procura do fácil ou não se sabe porquê, os seus agentes tentam encaixar pura e simplesmente o ensino artístico em todos os detalhes de funcionamento do ensino genérico".
Apesar de reconhecerem virtudes no regime de frequência supletivo ? praticamente o único em vigor e que tem sido predominante até aqui ? como forma de responder às necessidades sociais, o facto é que os docentes ouvidos pela PÁGINA consideram que este tem trazido algumas limitações, nomeadamente a fraca adequação às necessidades de formação.
José Ferreira, professor de Formação Musical, refere, por seu lado, que a intenção inicial do Ministério da Educação em acabar com os regimes supletivo e articulado, apostando quase exclusivamente no regime integrado, não responde às necessidades da escola. "Apesar de o regime integrado já ter dado provas em outros países europeus, há alunos que devem começar a estudar os seus instrumentos numa idade mais tardia, como é o caso de instrumentos de sopro como a tuba e o trombone. Daí a necessidade de articulação entre os três regimes, que considero ser o modelo mais benéfico para a escola. E a proposta do conselho pedagógico do CMP aponta precisamente nesse sentido", diz.
Outra questão que preocupa os docentes do ensino especializado da música é a sua situação profissional, cujo estatuto, na opinião de Fernando Valente, "tem sofrido de alguma marginalidade". E exemplifica: desde a formação máxima que existia em Portugal e que hoje os impede de atingir o topo da carreira, à profissionalização a que não têm tido direito, à falta de quadros, às dúvidas sobre a importância da prática artística para o seu desempenho docente, até às dificuldades que estão a ter para certificar formações para a sua avaliação de desempenho.
"Acrescente-se o novo modelo de avaliação e progressão criado para todos os professores, com todo o conjunto excessivo de procedimentos inúteis para a qualidade do ensino e para a realização pessoal, e poderemos imaginar os problemas pelos quais passam os professores e o ensino da música. É desmotivador", conclui Valente.
De facto, só no Conservatório de Música do Porto o número de professores contratados ronda os 70 por cento, estando os restantes em situação profissional de quadro definitivo desde 1997, alguns sem possibilidades de profissionalização. "A situação laboral é dramática", confirma Cristina Coelho. "Para além da precariedade laboral, existem especificidades na nossa carreira que não estão a ser tidas em conta e que necessitam de resolução urgente".

Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 177
Ano 17, Abril 2008

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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