Foi você que pediu um Porto 2007?
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O Porto está quase a pão-de-pedir. O Porto (cultural) está prestes a falir. O Porto de outros anos desapareceu. Mudou-se, transformou-se. E dizem que era inevitável. Pelo menos, é o que dizem! Não há poetas, pintores, escritores, jornalistas. Os poetas abancaram-se (os que puderam, claro)!); não há pintores (publicitaram-se, tornaram-se máquinas caça-níqueis); não há jornalistas (reformaram-se a tempo). O Porto morre aos pedaços. O Porto definha e enfraquece, a "dobrada" (cultural) à moda do Porto já não tem sabor. Mas o Porto cresce, engrandece-se, há muitos carros em vez de pessoas, existem parques de estacionamento em vez de ruas para passeamento. O Porto já não tem cinemas, mas existem bares até dar com um pau. É inevitável, dizem! E já passaram mais de trinta anos sobre a revolução de Abril, mas o Porto 2007, aliás como o resto do País, depressa esqueceu os cravos, os gritos, as palavras de ordem que soaram por toda a parte: em 1974, a Poesia estava na rua, saudada nos cartazes de Vieira da Silva ou nos muitos "graffiti" espalhados pelas vilas e cidades. Sim, eram outros os tempos, foi outra a alegria colectiva que sobressaltou as gentes e ruas do Porto. Mas de pouco valeu! Hoje, neste Verão de 2007, o Porto está muralhado nas suas pedras seculares (ou tumulares), as pessoas são ou não são daqui, os basbaques estão no mesmo sítio, falam alto e malcriadamente, mas os jovens dão um ar da sua graça e animam um pouco a paisagem. E pouco mais. O Porto (cultural) está realmente a pão-de-pedir. E o clima não ajuda. Chove que se farta e faz um frio que até mata. O Porto ainda é uma cidade bonita para estar, não, nunca, para morar. Quem é daqui é que sabe o que custa ser daqui. Mesmo com as intervenções urbanísticas dos últimos anos que serviram para tornar a cidade mais escura e mais triste, como na intervenção da avenida dos Aliados. E nesta passagem ou permanência de alguns meses na cidade que foi da minha infância e adolescência, sento-me na esplanada do "Guarani", a meio desta avenida tão desfigurada pelo traço caprichoso de quem lhe alterou o aspecto e é hoje uma artéria quase deserta, sem sombras nem bancos, um tanque ao alto com pouca água que não dá sequer para os putos nele mergulharem em tardes de calor, mais de trinta graus, e o granito dos passeios e das faixas quase em brasa. Por direito natural sou deste Porto em que nasci e cresci, pertenço desde sempre a estas sombras e lugares que foram de espanto e aflição. Não tenho outra saída e a cidade corre por dentro de mim, no jeito de falar malcriado e castiço das gentes tripeiras, no percorrer das velhas ruas que descem no sentido do Douro calmo e de antigas aguas, na redescoberta do "espírito do lugar" que não é o mesmo, no silêncio das noites vividas de outro modo nos anos adolescentes de boa memória. No regresso à minha cidade antiga e nobre de muitos séculos, sei como em encontros de acaso pelos cafés que ainda existem o diálogo se retoma por idênticos anseios e interesses. E tudo assim se recupera no contraste de haver muito por fazer. Nos caminhos da arte e da literatura. Em tudo o que me acompanha há anos e por saber que muitos são os que, endinheirados ou não, ainda sonham todo o ano ir molhar os pés e o resto no Algarve ou em Pipas, Varadero ou Punta Cana. Que lhes preste! Mas ter consciência de certa realidade (como a realidade cultural deste Porto 2007) é sempre manifestar o desejo de alterar o seu verdadeiro sentido. E será isso possível? Para quem observa a cidade com olhos de ver, e a sente em todos os contrastes e lembranças pessoais de um passado recente, parece que isso não é viável ou pode sê-lo apenas na sua imagem aparente e assim esconde uma certa agonia que se perde na memória de tantos anos. Mas quem anda isolado no meio do burburinho da cidade, sofre os escapes até às tantas, de nada se salvará: a cidade não estimula ninguém ou estimula os que nela (com ou sem direito, que importa?) exigem ter um sono tranquilo. Ora, poucos são e contam-se pelos dedos aqueles que no Porto (cultural) de hoje se revêem com alegria nos estreitos limites do tempo. O Porto não perdeu (ou ainda não ganhou) o estatuto de ser uma cidade com o seu atávico provincianismo (cultural ou outro). Não há mudanças visíveis nos modos de ser e de estar, na linguagem e na atitude de cidade que se espelha muitas vezes nos "clichés" que dela permanecem na força da história ou no simbolismo inalterável de uma cidade que tem orgulho nesses padrões e a que nos últimos anos somou outros nas vitórias clamadas à volta do Estádio do Dragão ou nas Antas de outras histórias. E repito a minha pergunta inicial: o que é feito dos pintores, poetas e escritores da minha cidade? Por onde andam que os não encontro ? ou quando isso acontece ? são ainda retratos vivos de uma "imagem" que há muito se desvaneceu. Mas quem não é daqui, não tem o direito de "estar aqui". Vivam, pois, os poetas, pintores e escritores desta cidade que foi da minha infância e adolescência e que, na curva descendente da idade, não me consente descobrir nas suas ruas e lugares a alegria que procuro. Mas tão cedo não me falem das "belezas" literárias, paisagísticas ou outras deste Porto que assim redescubro neste ano da graça de 2007. O meu desejo pessoal não é alcançar o inferno neste mundo (nem no outro, é verdade). Mas deixemo-nos de cantigas VIVÓ POOOORTO!
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Ficha do Artigo
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Edição:
Ano 16, Agosto/Setembro 2007
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Autoria:
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
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