Natural de Óbidos (1938), poeta, ficcionista e tradutor, licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, Armando Silva Carvalho estreou-se na poesia com o livro Lírica Consumível (1965), tendo desde então feito um trajecto muito pessoal marcado, no dizer de Maria Alzira Seixo, "com grande rigor de expressão e uma secura de ritmos e prosódia que manifesta na técnica de composição o essencial do seu significado". Trata-se de uma obra poética feita de grande ironia e mordacidade, com pulsões eróticas ou imagens decantadas de um quotidiano sempre observado nos limites mais expressivos, como por exemplo nos poemas de Lisboas (2001), livro feito de tecituras descritivas da capital retratada nos seus contrastes mais castiços. E por isso impunha-se que Armando Silva Carvalho reunisse num único volume toda a sua obra poética publicada, com profunda discrição, ao longo de quarenta anos e agora definitivamente passada a limpo. Mas, a par da sua poesia, o autor de Alexandre Bissexto tem sido ainda um admirável ficcionista em obras de rara qualidade como «Portuguex» (1977), cujo sentido subversivo se afirma, na opinião crítica de Eduardo Lourenço, "a todos os níveis da mitologia cultural lusíada e na tentativa de reformulação em termos simbólicos, os únicos próprios da escrita romanesca, de uma imagem interna da aventura nacional". No desejo de "passar a limpo" toda a sua poesia e querer torná-la mais visível junto dos que mal repararam nela ou dela não são leitores, Armando Silva Carvalho revela o propósito bem legítimo de insistir na qualidade da sua escrita e por isso neste volume agora publicado assume uma dimensão expressiva a inclusão de Lisboas, um livro escrito com o apoio de uma bolsa de criação literária do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, que se arvora, na releitura feita, como um dos pontos altos da poesia do autor de "Portuguex": ou seja, fixar um olhar implacável sobre a cidade e dela dar, em imagens poéticas de expressiva qualidade, uma visão mais aproximada ou objectiva, quer descansando os olhos no miradouro de Santa Catarina ou estendendo as pernas pelos jardins da Gulbenkian ou da praça das Flores:
Passa a razão de estado, a razão da ordem, a razão da cultura e quando as razões passaram à paisana o povo de Lisboa agradeceu a passagem de Deus, segundo Cesariny.
E esta cidade-capital de que Armando Silva Carvalho nos volta a falar reafirma de novo a intenção de um "retrato" pessoal das diferentes Lisboas que pôde conhecer em largos anos de permanência e determinar em instantâneos captados com subtileza os contornos mais evidentes da cidade espraiada à beira do Tejo:
Gaivotas, cansadas de metáforas, pousam nos ombros da memória e todo o amor me cai da toalha da espera para o mais fundo dos fundos do meu alheamento.
Por último, dizer que com esta edição uma e outra vez a voz de Armando Silva Carvalho se levanta para restabelecer com os leitores um diálogo vivo e determinante por ser, sem dúvida, um nome singular ou uma das vozes mais comunicantes da moderna poesia portuguesa E fechar deste modo o seu roteiro sentimental:
Chegou o intervalo e a história não acaba. Acabou o poema e a vida ainda não chega.
Armando Silva Carvalho O QUE FOI PASSADO A LIMPO (40 Anos de Poesia) Ed. Assírio & Alvim - Lisboa / 2007.
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