Fialho de Almeida nos 150 anos do seu nascimento (1857-2007)
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Nascido há cento e cinquenta anos em Vilar de Frades, concelho de Cuba, mesmo no coração do Alentejo, o autor de "Os Gatos" conheceu uma infância não muito feliz pelas dificuldades económicas vividas pelos pais. Foi empregado do comércio e conseguiu formar-se em Medicina na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, mas pela vida boémia e de estúrdia que levou, Fialho de Almeida dedicou-se à literatura e sobretudo publicou desde cedo nos jornais da época crónicas sociais e de intervenção cultural que assim o impediram de exercer a medicina e merecer a hostilidade de muitos dos seus contemporâneos, como fala Raul Brandão nas Memórias, na altura da morte ocorrida em 16 de Fevereiro de 1911 ainda no dealbar da primeira República: "Morreu anteontem em Cuba o Falho de Almeida. Diz-se por aí que se suicidou. Duvido. Sei que sofria do coração e que ultimamente vivia num sobressalto porque todos os dias recebia cartas anónimas com ameaças e insultos por causa dos artigos que escrevia para o Brasil. Queixava-se amargamente "desta republiqueta" De facto, o autor de O País da Uvas teve uma vida complicada e cheia de altos e baixo e muitos eram aqueles que dizia que passou uma larga fase da vida a escrever "vinte e cinco cartas a vinte e cinco amigos a pedir vinte e cinco tostões emprestados". Conheceu uma vida bem difícil e marcada por dificuldades, que só o deixou em sossego no casamento tardio com uma fidalga rica do Alentejo e então era vê-lo, registava depois Raul Brandão, "passear-se por Lisboa de corrente de oiro ao peito e uma esmeralda na gravata" para assim evidenciar os sinais claros de que a vida finalmente lhe sorria. Por isso, a obra literária de Fialho se revela muito variada e dividida entre a ficção (Conto, A Cidade do Vício ou O País das Uvas) e as obras polémicas mais conhecidas (Pasquinadas, Vida Irónica ou os seis volumes de Os Gatos, 1889-1894), e pode dizer-se que a sua criação literária se lê e relê ainda hoje com o mesmo interesse e entusiasmo por ter sabido ser, na coragem como criticou a sociedade do seu tempo, um prosador de excelente qualidade. Mas talvez seja sina da nossa literatura (e mesmo da história da cultura portuguesa) esquecer os grandes escritores do passado, mesmo que mereçam ser lidos e apreciados pelo que de 'moderno' ou de 'actual' neles ressoa. Fialho de Almeida é um desses esquecidos, não por sê-lo realmente, mas tão-só porque não é fácil encontrar no mercado as suas obras em edições mais acessíveis. E, assim no correr dos anos, o seu nome e a sua obra foi ficando só como referência obrigatória na literatura das primeiras décadas do século passado, como escritor que foi da transição (cultural, social e política, sobretudo) do século XIX e XX, nos embates e conflitos ideológicos que as lutas e o advento da República desencadeou a diversos níveis da sociedade e cultura da época. Mas se um escritor é sempre do seu tempo, não podemos deixar de ter em conta (quando os sinais de clara modernidade ultrapassam as barreiras do tempo em que viveram e se projectam num futuro que há-de prolongar essa releitura e atenção bem merecida) que a obra de Fialho deve ser olhada e lida à luz de valores estéticos e literários que se reincarnam ou se reactualizam em perspectivas históricas diferentes só na aparência. E assim é verdade que Os Gatos, por exemplo; se podem ler com o mesmo prazer e deleite com que se apreciam as Prosas Bárbaras de Eça ou as Farpas de Ramalho. No instante de se celebrar os 150 anos do nascimento de Fialho de Almeida, e chamar a atenção para a importância que ainda merece a sua obra literária, relembremos estas palavras de Manuel da Fonseca, outro grande escritor alentejano que nasceu exactamente no ano da morte do autor de Os Gatos e sempre andou, na sua vida literária, bem perto e por dentro do seu confrade de Vilar de Frades: "'Narrador admirável, fluente e lúcido, descobrindo de imediato o lado vulnerável do inimigo e de estocada pronta a trespassá-lo, malicioso no entremostrar de situações dúbias, brutal nas cenas de violência, aliciante no irisar da ironia, seco e amargo no desencanto, fugidio como guizalhada de risos nas pantomimas do burlesco, de imaginação veloz, voada de golpes de mágica, súbito no sarcasmo renitente, escancarado, as mais das vezes corrosivo, Fialho levou sempre ao extremo a agressividade a quantos lhe caíram sob a sua pena".
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Ficha do Artigo
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Edição:
Ano 16, Março 2007
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Autoria:
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
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