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Robert Altman: o verdadeiro "Maverick"

O sucesso em Hollywood chegou tarde para o realizador americano Robert Altman, que morreu recentemente com 81 anos de idade. Quando se tornou celebridade aos 45 anos, já tinha assumido o seu papel: o velho enorme, conflituoso e caprichoso. Era comparado com Fellini, Wells e Stroheim, enquanto criador de um universo cinematográfico próprio. Como os dois últimos, conheceu declínio e glória, mas ao contrário deles, teve o pragmatismo suficiente que lhe permitiu continuar, e mais do que uma vez voltar à superfície triunfalmente.
O actor Eliott Gould comparou-o ao General Custer: "Ele parecia sempre perto de uma espécie de eterna derrota". Altman caminhou muitas vezes para a derrota, mas os observadores da sua carreira sabiam que um falhanço pressagiava normalmente um regresso triunfal.
Nasceu em Kansas City, Missouri, numa família de origens Anglo-Germano- Irlandesas, e com um "background" que ele próprio descreveu como "católico renegado". O pai, mediador de seguros, era um jogador inveterado. Altman cresceu na companhia de duas irmãs, a mãe e uma avó. Em 1941 entrou para a Academia militar de Lexington, Missouri, e alistou-se no na Força Aérea Americana, onde foi piloto de B-24s.
Depois da guerra passou algum tempo em Nova Iorque, tentando tornar-se escritor, compositor e actor.. Abriu brevemente um negócio de tatuagem para cães(?). A longa aprendizagem de cinema começou quando regressou a Kansas City e fez perto de 60 filmes publicitários. Em 1953 fez a sua primeira incursão na televisão na série "Pulse of the City". Nesse mesmo ano, realizou a sua primeira longa-metragem, "The Delinquents", seguida, em 1957, pelo documentário "The James Dean Story", que lhe trouxe o primeiro sucesso. Passou 6 anos na televisão, em séries que incluem por exemplo "Bonanza". Aqui evoluiu para um estilo mais criativo e para os primeiros conflitos com os produtores. Foi despedido da série "Combat", por ter incluído um argumento pacifista, e, posteriormente, causou escândalo na série "Bus Stop", que foi considerada conter violência demasiado explícita.
Altman regressou ao cinema em 1967, com o space drama, "Countdown" e o thriller psicológico "That Cold Day in the Park" (1969). Então aceitou dirigir "M.A.S.H."(1970), uma sátira de guerra que tinha sido recusada por 15 realizadores, passada num hospital de guerra durante a guerra da Coreia, que foi o seu maior sucesso comercial e marcou o seu estilo e atitude com o seu discurso corrosivo para com as instituições americanas, o seu humor e elementos de misogenia.
O seu estilo próximo da improvisação trouxe-lhe conflitos constantes com os actores principais, Donald Sutherland e Eliott Gould, que recusavam aquilo a que chamavam uma "aproximação anárquica". Gould mais tarde admitiu que não tinha compreendido a "perseguição do momento imperfeito" de Altman". O filme , que custou 3 milhões de dólares, deu à Fox 40 milhões e a Altman a Palma d'Ouro de Cannes.
Em 1975 , rodou "Nashville" uma visão panorâmica da capital da música country, com 12 protagonistas - políticos, cantores, jornalistas... Foi recebido , como muitos filmes de Altman, como uma alegoria dos States, mas pode também ser considerado como um ataque a Hollywood e aos sonhos que instila nos seus consumidores. Raros filmes do mainstream de Hollywood desafiaram tão corajosamente os limites da narrativa, com Altman a tentar dar a impressão de que as coisas aconteciam por si. Os actores foram encorajados a desenvolver as suas cenas, e mesmo a escrever as suas próprias canções. Altman, mais tarde, confessou que estava a "tentar pintar um mural no qual os cavalos se movessem", mas também referiu que embora parecesse que o filme acontecia, tudo, acontecia sempre de uma forma controlada.
Depois de alguns flops regressou em 1992 com "The Player". Tal como com "M.A.S.H.", Altman fez um êxito de um argumento que tinha sido recusado por vários realizadores; recheado de private jokes e cameos de estrelas, "The Player" foi entusiasticamente recebido pele comunidade de Hollywood, com a sua vaidade lisonjeada mesmo de uma forma um pouco escabrosa.
Seguiu-se "Short Cuts" (1993) adaptando Raymond Carver, um conjunto de comédias e tragédias passadas em Los Angeles. O filme foi, sem dúvida, o mais exigente para os espectadores dos anos 90. O seu estilo ácido, a raiar por vezes a crueldade, levou Altman a aproximar-se dos seus filmes da década de 70.
As mudanças de sorte durante a sua carreira deram-lhe uma espécie de fama quixotesca. Contribuiu muito para os seus problemas, não apenas pelo seu individualismo e candura, mas também pelo vício do jogo herdado do seu pai. Era um bebedor sazonal - "Não bebo enquanto trabalho," disse, "mas trabalho muito enquanto bebo"- e mulherengo, embora o seu casamento com a sua terceira mulher, Kathryn Reed, desde 1958 fosse considerado dos mais longos do mundo do cinema.
Altman foi sempre relutante em identificar as suas influências, e é difícil ver quais os realizadores em que deixou a marca do seu estilo. Talvez Alan Rudolph. É difícil alguém fazer à Altman, pois o seu estilo é mais devido à atitude do que com o que se passa realmente no écran.
Alguém disse que Altman foi "louvado pelo falhanço e oprimido pelo sucesso", o que talvez permita explicar os seus movimentos inexplicáveis e a leitura idiossincrática da sua carreira ? defendeu sempre "Pret-à-Porter" e desdenhou "The Player" como um fake film.
Kael disse: "A arte de Altman, como a de Fred Astaire, é a grande arte americana de fazer parecer fácil o que é impossível".

Nota:
Tenho uma dívida de gratidão enorme para com Altman, pois graças a ele descobri um músico e um álbum. Bill Evans, "You must believe in Spring", inclui o tema de "M.A.S.H.". Se não o conhecem, corram a ouvi-lo.

Legenda: Robert Altman "Pursuit of the imperfect moment"


  
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Edição:

N.º 163
Ano 16, Janeiro 2007

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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