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Assassinato em Samarcanda

Para a 
Ana, Graça e Teresas

Craig Murray era considerado um dos mais brilhantes jovens embaixadores ingleses até ser colocado em Tashkent, capital do Uzbequistão. Com este título escreveu um livro de memórias, que vai ser adaptado ao cinema pelo realizador britânico Michael Winterbottom - é de temer o pior- com Steve Coogan como protagonista.
Claramente Craig Murray não tinha a mínima ideia do que o esperava quando foi colocado por quatro anos no Uzbesquistão. Com fama de  ?bon vivant? e de D. Juan , é também inteligente e industrioso e ele sabe-o. Consta que uma vez protestou porque alguém lhe disse para usar uma casaca cinzenta numa recepção em Buckingham antes da sua partida. Foi informado, então, que o código de vestuário passara a ser imperativo no Palácio desde que um embaixador tinha comparecido usando um fato de linho. Murray respondeu pretensiosamente: ?Meu Deus. Um fato de linho? Não admira que tenhamos perdido o Império?.
Mas ao chegar a Tashkent, o pretensiosismo  de Murray começou a evaporar-se. Como escreve, encontrou-se num meio digno de Graham Green. Os americanos estavam ocupados a construir um enorme base aérea, e a elogiar o sinistro Presidente Karamov, como um democrata, grande reformista e poderoso aliado na ?guerra contra o terror?. Karamov explorava esta posição americana para implantar uma tirania ao estilo norte-coreano, com passaportes internos, trabalho escravo e tortura brutal de dissidentes. Os americanos são mantidos felizes por informações ?coloridas? das actividades da Al-Qaeda, muitas das quais, diz Murray, são autênticos disparates.
O novo embaixador decidiu assistir a um ?julgamento espectáculo?. O seu objectivo era encontrar-se com uma uzbeque, depois envergonhou-se de si próprio. ?Tomei consciência de que era irmã da vítima. Os seus olhos estavam cheios de lágrimas. O irmão ia ser executado e eu estava a tentar apalpar-lhe as pernas. Fiquei com nojo de mim próprio.?. Ficou ainda mais envergonhado quando descobriu que as suas namoradas locais estavam resignadas a ser violadas regularmente por elementos da polícia de Tashkent.
Murray passou a fazer aquilo que considerou ser a sua obrigação. Descreve como mandou telegramas para Londres pedindo acção diplomática. Confrontou altos funcionários uzbeques corruptos. Fez um dramático discurso público na presença do embaixador americano, pondo em causa a política americana para com o regime. Tornou-se um  herói.
Mas, como se verifica à medida que ele vai contando a história, havia muita coisa que ele não tinha consciência na altura. Não sabia que Tony Blair e seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Jack Straw, tinham colado a política britânica à da Casa Branca. Não sabia que com a próxima invasão do Iraque qualquer voz dissidente da política de mentiras seria catalogada de ?não patriótica?. Não sabia que a CIA tinha uma política secreta de ?rendição? que não era apenas indulgente para com a tortura mas deliberadamente a explorava.
Murray diz que os americanos fizeram pressões sobre Downing Street e por isso foi criticado pelos seus superiores em Londres. Foi feita uma tentativa inicial para o forçar a demitir-se com acusações falsas de alcoolismo e corrupção. Os memorandos internos sobre isto a que Murray teve acesso são no mínimo chocantes, mesmo na linguagem cifrada dos advogados do governo.
Murray teve um esgotamento, mas não é inconcebível que os seus inimigos uzbeques tenham tentado envenená-lo. Tudo indica que lutou com bravura, salvou a sua reputação e que foi indemnizado - dinheiro que serviu para financiar o seu divórcio. Murray demonstrou que os homens de Sraw não o conseguiram calar, e por isso é digno de todos os louvores., mas mesmo assim não conseguiu evitar ter sido demitido. Hoje vive com  uma uzbeque num andar em Londres. Aqueles a quem resistiu - Karimov, Bush e Blair ? mantém-se no poder. Uma história digna de um poderoso filme ?liberal?. Esperemos para ver o que sai... Já agora, o que diria José Manuel Fernandes e ?sus muchachos ? de tudo isto? 

P.S. Para quem quiser comprar o livro Murder in Samarcand, do autor Craig Murray, editora Mainstream


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 160
Ano 15, Outubro 2006

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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