Passados quinze anos sobre a sua morte, é verdade que o autor de Sedução continua vivo e está ainda perto dos seus mais fiéis leitores e dos estudiosos da sua modernidade literária. De facto, José Marmelo e Silva, depois da publicação da Obra Completa (ed. Campo das Letras), não tem merecido ainda a atenção do público em geral e quase todos os seus livros continuam silenciados e esquecidos. Mas se existem escritores que nunca utilizaram a chamada "estratégia da glória", pode dizer-se que o autor de Depoimento pertence a um escasso número de verdadeiros criadores. Com uma obra reduzida (publicada entre 1937 e 1984), embora com várias reedições em mais de cinquenta anos de escrita, trata-se de uma obra bem significativa na nossa moderna ficção, tanto pelo reconhecimento da crítica como pela sua indesmentível qualidade estética. Na verdade, a prosa ficcional de Marmelo e Silva (1913-1991) afirma-se como a realização de um escritor que nunca teve pressa e ainda hoje espera que o tempo confirme a aceitação dos seus livros para que os leitores deles se aproximem e saibam entender o sentido profundo de uma obra que é única e renovadora dentro dos padrões estéticos da literatura portuguesa do século vinte. Integrado de início na corrente neo-realista, mas antecipando-se numa perspectiva humanística do fenómeno literário mais adequada aos valores da sua própria época (Sedução está mais próximo dos escritores da Presença do que dos da primeira vaga neo-realista) Marmelo e Silva não deixou de se identificar com esse movimento que, apesar de certas limitações estéticas e literárias, deixou obras de verdadeira desmistificação social num tempo que foi excessivamente nebuloso e de quase colectivo pânico cultural. Em edição organizada por Ernesto Rodrigues, excelente estudioso da actual literatura portuguesa, acaba de ser publicado o livro Leituras de José Marmelo e Silva que é realmente um admirável contributo para a compreensão do valor e da atitude intelectual do autor de O Sonho e a Aventura. Reunindo textos críticos de Mário Sacramento, Maria da Glória Padrão, Nuno Teixeira Neves, José Régio, Mário Dionísio e outros, a par de um cuidado estudo de Ernesto Rodrigues sobre Depoimento e de três cartas a Júlio Conrado, a presente edição valoriza-se ainda com a inclusão de quatro textos de intervenção crítica e cultural de José Marmelo e Silva, até hoje muito esquecidos. Trata-se, pois, de um livro que coloca de novo o autor de Anquilose junto dos leitores em diálogo franco e aberto, crítico e polémico, que à luz dos actuais valores da literatura do nosso tempo nos deixa entender melhor como não esgrimiu nunca contra moinhos de vento e a sua obra se impõe (ainda) por ser vanguardista e criativa. Mas se Marmelo e Silva, na sua conhecida divisa literária, afirmou que ?não escrevia para vender livros, escrevia para os escrever?, é justo que lembremos nesta altura estas palavras críticas e rigorosas de Mário Sacramento: ? (Marmelo e Silva) não é só um dos casos mais notáveis da moderna literatura portuguesa, mas o que mais fundo exprime e ensaia o significado da arte como libertação do homem, como reintegração do homem".
Leituras de JOSÉ MARMELO E SILVA Prefácio e organização de Ernesto Rodrigues Ed. do Centro de Estudos José Marmelo e Silva Espinho, 2006.
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