Para os meus estudantes do derradeiro ano de Antropologia Económica do ISCTE
É-me quase impossível esquecer, o dia da minha chegada a Portugal. Tinha licença por dois meses da minha Universidade Britânica, para visitar nesses dois meses as Universidades Portuguesas. A diferença foi-me tão dura, que as minhas emoções fizeram-me falar com colegas e discentes e telefonar ao meu chefe Britânico. Tínhamos mil anos de diferença, uma revolução na Grã-Bretanha do Século XVII, confrontada com a ainda não bem organizada Revolução dos Cravos de 1974. Vi tristezas várias nas diversas Universidades ? a Universidade, pequeno, é onde passas a ser médico, advogado, antropólogo, sociólogo, professor ou dentista desses que não gostas, etc. É onde deves ouvir um senhor/senhora falar durante 40 minutos, ler livros, escrever textos para serem avaliados pelos docentes. É onde, no fim de anos de estudo e leitura, nos perguntamos: e agora? Para onde vou, que faço? Até os arquitectos dedicam o seu tempo a guiar autocarros, legislação atropelada, falta de divertimento e de leitura de Plutarco. Não suportei, acabei o meu contrato com esse chefe britânico. Os dois meses esticaram e hoje já são 25 anos a andar por todos os sítios de Portugal, a debater, a escrever, a organizar, a envelhecer lentamente.... Nos primeiros dias que passei neste que é hoje o meu País, a amizade dos colegas era directa, era aberta, era nua. Não existiam minutos para estar em casa nem metros de casa para acolher tanto adulto que me visitava. Eu era o único Doutor que existia nessa Universidade. E na Universidade ser doutorado, é outra verdade nua, torna necessário dedicarmo-nos totalmente a descobrir ideias novas, a dedicar todo o nosso tempo à pesquisa, ao debate, à escrita prévia do que queremos dizer dias depois. O meu chefe britânico e eu, trabalhámos em imensas Bibliotecas, apenas com papel e lápis. Hoje em dia, nem de casa é necessário sair: os textos vêm até nós através da caixinha mágica ligada à Net e buscados com os motores de pesquisa. A verdade nua e crua é que isso permite organizar textos só a copiar e colar. Hoje em dia parece que já não se escreve. A escrita é agora uma arte que usa a informática para se orientar entre o que foi ouvido, visto, perguntado, procurado com os referidos motores. A verdade parece agora ser construída numa certa confusão, sem debate, sem discussões e citações, sem referências nem fontes e sem pensamento próprio, ou, menos ainda, em trabalho de grupo procurando entender mais. Não podia deixar de desabafar e de dizer isto aos mais novos depois de três semanas de encerramento em casa a tentar entender o que os discentes pretendem dizer. No fim, todos se reproduzem e se repetem a si próprios. Ficamos cansados e perguntamo-nos: porque será que fiquei? Os antigos alunos já são todos adultos, em idade e em graus académicos, já não precisam de nós. O chá que bebo em casa e o whisky que guardava, apodrecem na despensa. A amizade ficou abandonada, as crianças cresceram, muitos assumiram cargos políticos para dirigir a Nação. Substituíram as calças de ganga, por fato e gravata. E parece ter sido tudo o que retiraram do pensamento científico. Fica apenas uma alternativa, escrevermos também, ler muito e procurar novas ideias na despida cabeça do trabalho de campo e dos textos dos outros.
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