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Afro-descendentes uma história contada em brincadeira de Capoeira

É importante que façamos uso da legitimidade histórica na nossa prática educativa para com os negros. Não se deve apenas contar metade da história dizendo que eles são descendentes de escravos. São descendentes de africanos que no Brasil  souberam fazer história ante a opressão, em todos os lugares onde foram escravizados, criando mecanismos de defesa para perpetuar o seu jeito de ser.

Pode parecer uma simples brincadeira, mas a partir dela, podemos ter uma instigante vivência sobre dispositivos de preconceito e sujeição: assim funciona ?Pega-Congela Feitor?. Num grupo de crianças; um é o Feitor, ou seja, o que pega; os outros, quando pegos, ficam imóveis, congelados e só saem desta posição se forem salvos por um colega com um movimento de Capoeira.?
Os personagens nesta brincadeira nos remetem a um passado de exploração e preconceito para com muitos povos. Como então, no papel de educador, devemos tratar uma atividade que propõe relações de poder sem apenas reproduzir desigualdades?
A realização desta atividade num curso de educadores populares de Capoeira PERICAPOEIRA[1] possibilitou inúmeras reflexões históricas e políticas como: qual a melhor maneira de aplicar esta atividade. Como contextualizar com a criança o significado de ser negro, sua ascendência e a situação atual do negro no Brasil? Como valorizar sua identidade? Como lidar com o preconceito? E qual a verdade desta história?
A relação Feitor e escravo na brincadeira dá indícios do poder outorgado ao Feitor - ele persegue os escravos que, ao toque do Feitor se submetem à ordem - paralisar-se. O escravo ?livre? ou fugitivo deve manter-se alerta, correndo para não ser pego, representando muito mais o papel do escravo fugitivo da Senzala, do que realmente Homem liberto. A brincadeira estimula um ato de solidariedade na luta contra a ação do Feitor, pois existe a possibilidade de libertar um escravo, com um golpe da Capoeira. Numa adaptação existe também o Quilombo, nome dado às comunidades de negros, índios e mestiços fugitivos das Senzalas; um movimento de resistência ao sistema escravocrata. Na brincadeira, o Quilombo é sinônimo da conhecida barra, que significa o lugar seguro, onde o Feitor não vai.
Ao aprofundar nosso entendimento sobre o que representa o Feitor, sua relação com o escravo, em que condições viviam e se esta situação de exploração teve realmente um fim, percebemos a complexidade deste contexto que revela um paradoxo intrigante até os dias de hoje. Reconhecer a injustiça e o desrespeito aos Direitos Humanos cometidos e que ainda perduram através do preconceito, abre caminhos à sensibilização deste momento histórico, oportunizando a conscientização de todos os tipos de discriminação a que os negros foram submetidos e que persistem através do tempo, sendo colocados à margem da sociedade que eles ajudaram a construir.
É importante que façamos uso da legitimidade histórica em nossa prática educativa para com os negros. Não se deve apenas contar metade da história dizendo que eles são descendentes de escravos. São descendentes de africanos que no Brasil  souberam fazer história ante a opressão, em todos os lugares onde foram escravizados, criando mecanismos de defesa para perpetuar seu jeito de ser. A cultura dos afro-descendentes brasileiros é conhecida no mundo através da Umbanda, da Capoeira, das danças, da música e da gastronomia. 
Brincadeiras como esta podem ser um recurso educativo no aprendizado de contextos sociais complexos. Sendo uma proposta educacional de caráter interdisciplinar, nos permite conhecer a história sob diferentes perspectivas, linguagens e interpretações, ampliando a compreensão da realidade vivida.

[1]  PERICAPOEIRA: projeto realizado pelo Núcleo Mover ? UFSC (Núcleo de Movimentos Sociais e Intercultura) e o Triplo C (Confraria Catarinense de Capoeira)


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 158
Ano 15, Julho 2006

Autoria:

Thaís Fernanda Castro Rodrigues
Bolsista CNPQ/MOVER/UFSC, colaboradora do Grupalfa?pesquisa em alfabetização das classes populares, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro.
Thaís Fernanda Castro Rodrigues
Bolsista CNPQ/MOVER/UFSC, colaboradora do Grupalfa?pesquisa em alfabetização das classes populares, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro.

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