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Portugal-Angola: os sinais e os símbolos

Se os críticos, da esquerda e da direita, que já antes dos resultados, imediatos e futuros,  da viagem  do primeiro-ministro de Portugal a Angola, com uma comitiva de 78 personalidades,  pareciam estar a preparar-se para se atirarem à iniciativa como gato a bofe,  acabaram por não concluir o que era esperado: se essa viagem deveria ou não ter ocorrido. Em vez disso, sem nunca chegarem ao essencial, espraiaram-se em divagações teleológicas que a agenda da visita não comportava, porque o seu objectivo era um só: fazer negócios.    
De resto, nem os sinais eram inequívocos: uma comitiva constituída por ministros ligados à economia e às finanças e por industriais, comerciantes e banqueiros,  não faria supor o mesmo objectivo que teria uma embaixada de representação mais abrangente, como seria se nela fossem incluídos os ministros da Educação e da Cultura e uma plêiade de intelectuais ligados às letras, às artes e às ciências.
À margem do grande tópico da agenda,  falou-se na possibilidade de Portugal enviar para Angola 200 professores. Curiosamente, o mesmo número que o presidente  Agostinho Neto tinha solicitado em 1975 e que Portugal não atendeu, vindo a ser substituídos por internacionalistas cubanos. E falou-se também, a propósito do funcionamento da Escola Portuguesa, que já está pronta há vários anos,  no ?capital? da língua oficial comum, que ?rende?  menos do que muito boa gente pensa, pois os grandes negócios do petróleo, dos  diamantes ou dos minerais apetecidos, que são feitos com americanos, ingleses, franceses ou chineses, não se entabulam em português... 
Um mérito ninguém negará ao ?instrumento veicular?:  o privilégio de portugueses e angolanos se lerem nos olhos quando José Sócrates afirma num jantar solene: ?Podemos dizer que esta visita é um sucesso e marca um novo impulso nas nossas relações bilaterais. As portas estão abertas.? E Fernando da Piedade dos Santos ?Nandó? responde: ?Estivemos juntos 500 anos, estamos juntos hoje e estaremos para o resto da vida.? Este mútuo conhecimento através dos olhos é a melhor herança dessa  relação de 500 anos...   
Entenda-se, pois, que esta viagem do primeiro-ministro não tem a mesma representação nacional, e por isso as mesmas exigências,  que teria se envolvesse  o presidente da República. Circunscrita a um objectivo específico, ela poderá ser comparada à que fez, pela segunda vez, em 1575, Paulo Dias de Novais, já acompanhado por uma centena de colonos dispostos a fixar-se na terra angolana. Na primeira viagem, como é sabido, Novais entrou em guerra com o rei do Ndongo, Ngola Kiluanji, que o manteve cativo durante sete anos, antes de o deixar regressar a Portugal com a promessa de que regressaria com melhores ânimos e propostas de interesse comum.  
Curiosa também é a similitude dos contactos prospectivos que antecederam a viagem de Sócrates, feitos por José Lello e Freitas do Amaral,  com os realizados em 1520 pelos emissários do rei de Portugal ao reino de Ndongo, Baltazar de Castro e Manuel Pacheco.                  
Provavelmente ninguém da comitiva terá pensado nesta coincidência histórica. Todos estariam mais atentos aos ?sinais? do que aos ?símbolos?. Por hipótese, ela não escapou ao primeiro-ministro angolano, quando proporcionou que o seu homólogo português  plantasse um imbondeiro... Se fosse uma mulemba, ninguém duvidaria de que a escolha dessa árvore emblemática, cuja copa frondosa e permanente convida o povo angolano para à sua sombra discutir e resolver as grandes ?makas?,  teria também um significado histórico. Não sendo menor o que a tradição angolana lhe confere por ter sido a árvore que a rainha Nzinga Mbandi plantou em Luanda (dando o nome ao Alto da Mulemba), para celebrar as tréguas com os portugueses, no século XVII, no seguimento da expulsão dos holandeses, a quem ela, temporária e estrategicamente, se aliara. 
A escolha de um imbondeiro, se não foi simplesmente casual,  já teria outra leitura: é ?eterno?, com a idade  o seu tronco atinge espessura inaudita, oferecendo cavidades que servem de abrigo a pessoas e animais,  da sua casca extrai-se um líquido que dessedenta,  o seu fruto ajuda a matar a fome  e das folhas fazem-se medicamentos. Ao contrário do que pode sugerir o aspecto ?terrífico? que, quando despojado das suas folhas, impressiona os passeantes, o imbondeiro é, de facto, um símbolo bendito da perenidade,  resistente  tanto a procelas e queimadas como às investidas dos madeireiros.
Meras coincidências?  
Os ?sinais? que José Sócrates e a sua embaixada de negócios procuravam não se detinha em símbolos. A ?real politik? de um Governo que, embora socialista,  não teria o arrojo de receitar aos angolanos poções mágicas que, em Portugal, ainda não resolveram muitos problemas que  continuam na agenda dos voluntarismos (como a burocracia, a corrupção, a fraude, o amiguismo, etc.),  não lhe permitia sequer citar Agostinho Neto num discurso ao povo angolano em 1976: 
? Se não houver comida, se não houver casas, se não houver transportes, se não houver estradas, todos os meios materiais para aumentar o nível de vida do nosso Povo, não podemos construir o socialismo.?
Aliás, só essa contenção da delegação do Governo português, em matéria de símbolos, poderia explicar que José Sócrates  (que se saiba) não fosse depor um ramo de flores junto à estátua do primeiro Presidente  e fundador do Estado Angolano, que como Poeta Maior escreveu um livro ? Sagrada Esperança ? cuja mensagem  há-de ser lida pelos angolanos como a de Os Lusíadas pelos portugueses.


  
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Edição:

N.º 156
Ano 15, Maio 2006

Autoria:

Leonel Cosme
Escritor - Jornalista, Porto
Leonel Cosme
Escritor - Jornalista, Porto

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