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A «Nova Direita» e a Educação (V)

Manipular a opinião pública através dos seus legítimos sentimentos e expectativas tem sido, pois, a estratégia adoptada por muitos governos na actualidade, caucionando assim as suas políticas de um modo que pensam seguro e com reduzidos custos. A «nova direita» tem sabido utilizar esta estratégia com elevada mestria, e até os governos «socialistas» não escapam à sua sedução. (...) Mas as estratégias adoptadas pela actual equipa do ME e que têm vindo a ser objecto de glorificação na opinião publicada só podem fracassar, pois todas elas transportam consigo, implícita ou explicitamente, a ideia de que são os professores e as estruturas que os representam os únicos responsáveis por todas as situações problemáticas que se vivem nas escolas!

?Nada é mais fastidioso e árido do que o locus communis possesso de delírio.? O que Marx(1) porventura não imaginaria à época é que, quando tomado como modo dominante de fazer política, ele pode ser extremamente letal, pois surge como legitimador de medidas que, de outro modo, seriam objecto de fortes resistências. Manipular a opinião pública através dos seus legítimos sentimentos e expectativas tem sido, pois, a estratégia adoptada por muitos governos na actualidade, caucionando assim as suas políticas de um modo que pensam seguro e com reduzidos custos. A «nova direita» tem sabido utilizar esta estratégia com elevada mestria, e até os governos «socialistas» não escapam à sua sedução.
A análise que tem vindo a ser produzida, ao longo do último ano, à actuação do ME pela generalidade dos comentadores políticos de serviço na nossa imprensa, parece-nos exemplar para ilustrar o que acima afirmámos. A principal inferência que pode ser retirada do conjunto desses olhares doutos sobre a acção do ME é a de que tem sido bastante positiva, revolucionária até, pois visaria erradicar aquilo que designam por interesses (leia-se: privilégios) corporativos desde há muito estabelecidos e que constituiriam o principal obstáculo à melhoria do sistema educativo e à introdução das necessárias mudanças que o mesmo exigiria. O concomitante ataque ao movimento sindical, acusado de inflexível, instalado e conservador, apresentado como mais interessado na manutenção dos alegados privilégios corporativos do que no desenvolvimento dos alunos e do país, insere-se no mesmo registo. Por outro lado, buscam-se novos parceiros (aliados) que permitam legitimar as políticas desejadas. E aqui surgem as estruturas de pais, também elas cruciais aos processos de legitimação das políticas da nova direita e que fizeram escola nos países onde foram impostas.
Uma outra dimensão que importa reter para se compreender esta onda de optimismo que grassa na opinião publicada face à acção do ME prende-se com uma característica essencial do processo de produção de políticas de inspiração neoliberal e conservadora, a saber: estas são edificadas tomando como base fragilidades das situações que pretendem transformar, ou seja, em sentimentos generalizados de descontentamento público em relação às situações em questão. Ora, certamente que todos estaremos preocupados com os elevados índices de insucesso e de abandono escolares, que parecem inscritos no ADN das escolas. O mesmo se pode afirmar em relação à ausência de estratégias adequadas de promoção da orientação pessoal e escolar dos alunos. A indisciplina e até a violência são tópicos recorrentes na imprensa e até nos discursos de muitos professores, independentemente do elevado grau de artificialidade que parecem possuir; a ausência generalizada de programas sistemáticos de dinamização pedagógica e cultural que ultrapassem as fronteiras do trabalho lectivo; os elevados índices de iliteracia e os fracos resultados dos alunos portugueses em provas internacionais, nomeadamente na matemática e na língua, constituem outros tantos problemas sobre os quais se poderia estabelecer um consenso alargado quanto à necessidade da sua abordagem.
Mas as estratégias adoptadas pela actual equipa do ME e que têm vindo a ser objecto de glorificação na opinião publicada só podem fracassar, pois todas elas transportam consigo, implícita ou explicitamente, a ideia de que são os professores e as estruturas que os representam os únicos responsáveis por todas as situações problemáticas que se vivem nas escolas! Todos sabemos que estratégias deste tipo, para além de injustas e inadequadas para a maioria dos profissionais em questão, são potencialmente perigosas. Para além de não resolverem os problemas, contribuem sobretudo para a fragilização, quiçá irreversível, dos agentes mais decisivos (porventura únicos) no processo de transformação da educação, adiando, mais uma vez, a construção de um processo participado de invenção das necessárias respostas a essa transformação e a identificação adequada dos problemas, das suas causas e dos seus responsáveis.

Nota:
1) Marx, K. [1857 (1975)]. Introdução à Crítica da Economia Política. Lisboa: Editorial Estampa, p. 212.


  
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Edição:

N.º 155
Ano 15, Abril 2006

Autoria:

Manuel António Ferreira da Silva
Instituto de Educação e Psicologia da Univ. do Minho
Manuel António Ferreira da Silva
Instituto de Educação e Psicologia da Univ. do Minho

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