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Descubra as diferenças

Na secção de passatempos de muitos jornais e revistas costumam aparecer duas imagens semelhantes. O autor desafia-nos a descobrir as diferenças. As imagens vêm normalmente acompanhadas de um rodapé com os dizeres: «estes dois desenhos são diferentes em oito pequenos detalhes, será que os consegue descobrir?» De facto, os desenhos diferenciam-se apenas por detalhes tão insignificantes que só com muita atenção os descobrimos. Agora, sempre que olho estes desenhos dos jornais lembro-me do Governo de José Sócrates. O governo dele é tão semelhante a um típico governo de direita que apetece fazer o desenho e pedir a qualquer um que descubra as diferenças.
Os bonecos dos jornais, regra geral, diferenciam-se em oito pequenos detalhes. Coisas sem importância, uma bota preta em vez de branca, uma folha a menos no chão, um passarinho a mais no ar, um cabelo a menos na careca do homem, uma antena trocada no caracol... detalhes. No dois desenhos do Governo de Sócrates, o da esquerda e o da direita, ainda não consegui identificar os oito detalhes que possivelmente os diferenciam.
Esta semelhança trás a direita civil portuguesa muito animada e a direita partidária desanimada. Esta, temendo perder parte da freguesia começou primeiro nervosamente à canelada por baixo da mesa e agora, mais assanhada, ao estalo por cima dela. É que a nossa direita vive entre o amor e o ódio a Sócrates. Vê nele um seu líder real. O homem de pulso capaz de bater feio e forte na populaça e de abraçar e sacudir os ossos com entusiasmo aos notáveis, ao «povo superior». A direita partidária odeia porque teme a concorrência, mas a direita civil entusiasma-se porque a populaça vai entrando nos eixos. Começa a saber-se quem manda e quem obedece, quem substitui o cinto por um baraço e quem dança.
José Sócrates é um rapaz com pouca instrução política e menos experiência. Seguiu o percurso normal de qualquer rapaz de província filho de gente simples e boa sempre de bem com o padre da freguesia. «Tirado» o curso arranjou emprego na autarquia (onde havia de ser?). Nos tempos livres «meteu-se na política». Entre os partidos que potenciam o acesso ao poder escolheu aquele que na terra, e no momento, apresentava mais vagas e melhores perspectivas de cultivo de amizades pessoais e de carreira. Nada de política e menos ainda de ideologias. A política, nestes casos da vida real, não implica uma escolha ideológica, mas apenas um modo de pôr em prática o senso comum, o instinto e o entusiasmo de cada um. O percurso seguinte de Sócrates é de todos conhecido. O líder do partido, homem originariamente da terra, levou o rapaz brevemente a secretário de estado e ainda mais brevemente a ministro. Feito um estágio de «comentador televisivo» estava pronto para grandes feitos nacionais.
Este tipo de políticos, normalmente, afirmam peremptoriamente a sua autoridade na razão directa da sua vulnerabilidade. Têm de manter uma aparência de segurança, embora saibam que estão em pleno processo de aprendizagem. E neste processo absorvem, como uma esponja, os conselhos de um certo tipo de notáveis. Não de todos os notáveis, pesam mais aqueles que sendo formalmente da área política do «príncipe» não destoam da retórica dos notáveis do campo político que lhe é formalmente adverso. Para Sócrates, em processo de aprendizagem, a opinião do povo não conta. Os mais influentes conselheiros de Sócrates são os homens de topo, os notáveis disto e daquilo, que se apresentam publicamente como sendo de esquerda mas partilham a vida prática e todas as soluções políticas, económicas, culturais ou sociais da direita.
Estes notáveis de esquerda distinguem-se dos da direita por coisas pequenas. As diferenças estão em pequenos detalhes como o de escolher um bom vinho para uma refeição de excelência ou, mais radical, no uso ou não uso do preservativo. O notável conselheiro de esquerda escolhe um bom vinho em nome de sentimentos populares e não rejeita a possibilidade de usar preservativo se for caso disso. O notável de direita escolhe um bom vinho em função do bom nome e excelência social do produtor e nega-se a usar preservativo não vá o inferno um dia clamar por ele. Pequenos detalhes.
A realidade é o que é e, trinta e dois anos depois da Revolução de Abril, não vale a pena ficarmos muito amargurados com o caldo político que se gerou. O problema não é só nacional, corre mundo. Sobretudo não vale a pena carregarmos a culpa. Ao fim e ao cabo, o nosso país tem um longo litoral e a culpa é do mar que bate muito na costa. Mas também não vale a pena olhar para esta cena como uma futilidade ou fatalidade. Se as coisas são o que são, vale a pena irmos tomando nota e murmurando que podem ser de outra maneira.
O fim do império soviético provocou um movimento de regressão civilizacional. Não porque o capitalismo de estado da URSS representasse uma vanguarda civilizacional, antes pelo contrário, mas porque funcionava como força desmotivadora da sobre-exploração dos trabalhadores nos países de capitalismo privado. Nestes países, agora sem concorrência política à vista, criou-se um monopólio da política que nos impõe um pensamento único dominante. Tal monopólio considera o neoliberalismo como a única forma de pensamento escorreito e de prática política aceitável. Em Portugal somos bafejados por um só discurso e uma só prática, a moeda do poder não tem duas faces apresentando-se com a mesma imagem e substância nos dois lados. Não só as forças económicas, e os seus ajudantes, mas a maioria dos notáveis, a começar pelos intelectuais, conforma-se e deleita-se com este unanimismo nacional e mundial.
No campo da educação, que é a área que nos diz mais respeito, o conformismo com a ineficácia do sistema educativo e com a incapacidade em promover um ensino de qualidade para todos, vai fazendo caminho. Os dirigentes do sector, não só cá como lá fora, desistiram de acreditar que a educação de excelência pode ser para todos. E por isso aparece «uma nova geração de políticas educativas» promotoras da segregação social dentro das escolas e entre escolas.
Faz-se muita propaganda à necessidade de elevar a formação científica, cultural e social da população, mas que medidas se tomam na prática para alcançar-mos esse objectivo? Como se quer elevar a competência científica dos alunos se eles têm pouco acesso a essa área e, em conjunto com os professores, são desviados para as AE (actividades de entretenimento)?
Vivemos o tempo de um só modo de ver. Tempo de confusão e indecisão e de grandes trapalhadas. Boa parte dos nossos equipamentos sociais caíram em desuso, mas isto não significa que haja só um caminho e que ele seja o velho e esburacado liberalismo. Há, possivelmente, outros caminhos a inventar e a abrir. Vamos lá conversar. Façam-se outros planos e outros desenhos. Procurem-se os caminhos para um outro mundo, onde não percamos o pouco bem estar que ainda temos e onde se permita a esperança a todos os povos do mundo.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 155
Ano 15, Abril 2006

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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