Página  >  Edições  >  N.º 153  >  Novas Tecnologias e Educação: o caso OLPC (parte 1)

Novas Tecnologias e Educação: o caso OLPC (parte 1)

?Não pensamos em canetas comunitárias ? cada criança tem a sua. Trata-se de ferramentas para pensar, suficientemente baratas para serem usadas para trabalhar, jogar, desenhar, escrever e calcular. Um computador pode fazer o mesmo, de forma muito mais poderosa? (Nicholas Negroponte a propósito do projecto OLPC)

Desde os anos 70 vários especialistas em informática e computação vêem estudando e idealizando formas de utilizar estas tecnologias em contexto educativo. Entre eles contam-se Seymond Papert, pioneiro da inteligência artificial e especialista no domínio das aprendizagens durante a infância, e Alan Kay, conhecido como o pai dos computadores pessoais e criador da linguagem de programação ?Smalltalk?. O ?Dynabook?que Kay concebeu nos anos 70 para a Xerox foi pensado para ser utilizado sobretudo por crianças. A ideia ter-lhe-á surgido depois de observar as experiências pioneiras conduzidas por Pepert em salas de aulas de escolas de Boston com crianças apinhadas em torno de ecrãs de PC?s. Kay imaginou então um instrumento portátil que as crianças pudessem transportar consigo para todo o lado. Em suma um computador portátil destinado a crianças. Pepert e Kay integram actualmente uma equipa liderada por Nicholas Negroponte, fundador e presidente do Laboratório de Media do Massachussets Institut of Technology que em finais do ano passado apresentou o protótipo de um computador portátil destinado a crianças do ensino básico e secundário. O projecto (que parece avançar a passos largos) é conhecido pela sigla OLPC (abreviatura de ?one laptop per children?): trata-se de uma impressionante operação à escala global que apresenta várias originalidades que vão desde o modelo de negócio e de distribuição destas máquinas (cujo preço se anuncia inferior a cem dólares por unidade) aos seus apregoados objectivos educacionais. Até agora a indústria da electrónica de consumo parece ter estado apenas interessada em produzir entretenimento portátil em massa para crianças e jovens como é o caso do globalizado game boy. A iniciativa OLPC parece querer mudar este panorama.
A venda destes aparelhos será preferencialmente feita a governos ou instituições governamentais e, em finais deste ano, se tudo correr como previsto, milhões de crianças de países como Brasil, Tailândia, África do Sul, Egipto e Nigéria (e eventualmente outros, caso os respectivos governos vierem a aderir ao projecto) começarão a receber computadores portáteis para irem à escola. Anuncia-se para 2007 a produção de cerca de 100 a 150 milhões de unidades. A máquina foi desenhada para se distinguir bem dos portáteis convencionais, relativamente aos quais apresenta uma importante diferença: a pouca capacidade de armazenamento de dados. Estará equipada com uma fonte de alimentação de energia manual (uma manivela), um ecrã a cores que se transforma num e-bock, sistema sem fios para comunicação com computadores semelhantes, usa o sistema operativo livre Linux, dispõe de quatro portas USB para ligação de periféricos e acesso à internet e um revestimento especial adaptado tanto a ambientes pouco amigáveis como ao uso e transporte por crianças.
Aos olhos do consumidor europeu ou americano este aparelho será talvez apenas mais um gadjet (um aparelho curioso, numa tradução muito livre) a um preço muito atractivo. É provável que as sinergias que Negroponte e seus associados criaram tenham a breve trecho alguns efeitos no mercado de computadores portáteis (cujos preços, de resto, vêem baixando cada vez mais) e isso não agrade muito a algumas empresas. Craig Barrett, presidente do Conselho da Intel, chamou-lhe depreciativamente ?um gadget de 100 dólares? que em sua opinião não terá sucesso. No entanto, e talvez menos preocupadas com os efeitos do aparelho no mercado de computadores portáteis e nos processadores e outros componentes que os equipam, outras empresas têm vindo a aderir ao projecto como parceiros institucionais. Mas para além do ?milagre? do baixo custo (ao ponto de a iniciativa ser também baptizada como ?one hundred dolars computer?) qual será a sua pertinência educacional? Os seus mentores anunciam esta máquina como uma arma ao serviço da educação nos países menos desenvolvidos e um poderoso instrumento que ajudará a ultrapassar o ?fosso digital? que os separa dos países mais ricos e desenvolvidos.
No entanto, pensar que os problemas da educação nos países em vias de desenvolvimento se resolvem com a introdução de computadores portáteis de baixo custo no processo de aprendizagem revela uma visão muito determinista acerca dos efeitos das (novas) tecnologias nas formas de organização dos sistemas de ensino/aprendizagem. Será sem dúvida interessante perceber e avaliar o impacto desta operação que levará milhões destes computadores a esses países. Como serão usados localmente estes aparelhos. Que efeitos terão nas economias locais? E nas formas de comunicação entre crianças e suas famílias? E nos processos de aprendizagem? A iniciativa OLPC afigura-se um imenso território (virtualmente global) para avaliar a forma como, não determinando nada, a tecnologia é determinada e afectada pelos usos (significados, apropriações, conversões) que os governos, professores e crianças fazem dela. Como afirmou Raymond Williams, feroz crítico do determinismo tecnológico, ?a modernidade é caracterizada por uma selvagem coexistência entre novas tecnologias e velhas formas sociais?.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 153
Ano 15, Fevereiro 2006

Autoria:

Filipe Reis
Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, ISCTE, Lisboa
Filipe Reis
Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, ISCTE, Lisboa

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo