Claro que sei, meu caro Herberto, que sempre foste indiferente a homenagens, prémios, celebrações e o resto. Mas nos mais de quarenta anos de convívio e de amizade, desde que me instalei em Lisboa em 1963, sempre nos ligou uma forma sincera de cumplicidade que me permite, apesar de tudo, poder saudar-te no instante de passarem 75 anos de uma vida tão cheia, nos altos e baixos de que é feita a vida de todos nós, nos muitos poemas e livros acumulados, mesmo na solidão de os teres escrito com os olhos na eternidade do dia que passa. Ontem e hoje, eu sei. E a melhor forma de te saudar não é bebermos um copo num dos nossos habituais encontros em tascos ou cafés lisboetas, mas antes reler partes ou os livros da tua Poesia Toda e reflectir como foi breve e longo o caminho até hoje percorrido desde a nostálgica Madeira, a camaradagem de Coimbra (José Afonso, Lousã Henriques, Manuel Alegre e Fernando Assis Pacheco), o convívio ?surrealista? numa Lisboa então em grandes mudanças (Cesariny, Cruzeiro Seixas, António José Forte, Luiz Pacheco, Virgílio Martinho e tantos outros) ou ainda na memória viva e presente de Edmundo de Bettencourt, Raul Leal, Carlos de Oliveira, António de Sousa, Manuel da Fonseca e Augusto Abelaira de outros interesses e muitas cumplicidades, sem esquecer os anos de permanência em Angola de que ainda guardas boas lembranças dos cheiros, sons e cores dessa paisagem africana. Eu sei, claro que sei. Mas importa sobretudo reler agora os teus melhores poemas nesta hora que passa e no momento de celebrares os teus 75 anos de vida. Olha, meu caro Herberto, neste dia de Novembro quando se evoca um aniversário especial na tua vida já longa (e 75 anos afirmam-se como uma conta bem redonda para não passar em branco), sei que a casa do poeta está sempre habitada e cheia de alegria. Por isso, ao reler a Última Ciência e lembrar uma vez mais a tua ?arte de roseira?, não posso deixar de te saudar na brevidade das palavras e na memória de Pessoa ou de Campos: No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu era feliz e ninguém estava morto.
Um abraço sincero e amigo do Serafim Ferreira
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