Para a minha ?neta? Catarina
Várias ironias rodearam a recente estreia de filme ? Guerra dos Mundos?, de Steven Spielberg. Num esforço imenso de segurança, o distribuidor UIP insistiu que todos os aparelhos electrónicos fossem entregues antes das apresentações à imprensa, inclusive telemóveis sem câmara, e exigiram que todos os jornalistas assinassem um documento onde se comprometiam a não publicar as críticas antes da estreia comercial do filme. A ironia da situação é que quer Spielberg quer Tom Cruise tiveram grandes lucros com filmes sobre sociedades onde os indivíduos tinham a sua liberdade limitada por entidades monolíticas - ?Minority Report?, de 2002, é o exemplo mais recente. Mas o espírito da liberdade que os inspirou é facilmente posto de lado quando se trata do que é visto como o maior inimigo da indústria do cinema: a pirataria. Spielberg e Cruise tiveram o gesto de entregar os seus próprios aparelhos na estreia. Mas o embargo da UIP às críticas provocou a revolta dos críticos alemães, muitos dos quais boicotaram a sua apresentação na Alemanha. A Verband der Deutschen Filmkritik (Associação de críticos alemães) chamou à medida ?escandalosa? e disse que ?impede a imprensa de exercer os seus direitos constitucionais?. A ironia número dois é que é a Alemanha que serve para justificar estas medidas. A queda de 28% nas receitas de bilheteira durante anos consecutivos resultou no pânico da indústria, que tem sofrido uma quebra em todo o mundo, com a pirataria, mal ou bem, considerada culpada. Os estúdios podiam ganhar algum alento com algumas vitórias sobre entidades acusadas de violar o copyright, mas por agora parecem preferir tratar os críticos como potenciais criminosos a procurar outras razões para o seu fracasso . Mas há outras causas. Não parece lógico que se possa culpar a pirataria pelo fracasso a nível mundial de filmes como ?Tarnation?, ?Palindromes? e ?Mysterious Skin?. Alguns distribuidores estão preocupados com o facto de a edição do filme em DVD ser cada vez mais próxima da sua exibição em cinema, pois muitas pessoas preferem esperar por aquela. Os distribuidores vêem ainda agravada a sua situação ao serem ?obrigados? a comprar filmes sem ambições de exibição em cinema mas apenas para serem explorados em DVD. Para os filmes mainstream esse problema não existe, embora a generalização dos big home-cinema seja previsível. O enfraquecimento das receitas da exibição em cinema vai aumentar com um pensamento síncrono de ambos os lados do Atlântico. O produtor Aurelio De Laurentis sugeriu que a Itália deveria superar a sua crise estreando filmes simultaneamente nos cinemas, na TV por cabo e em DVD. Nos States, Steven Soderbergh foi contratado pela 2929 Entertainement para fazer 6 filmes para serem estreados nas três plataformas ao mesmo tempo. Os distribuidores ficaram em pé de guerra por causa disto, mas poderão resistir quando a pirataria encoraja a ideia e quando as audiências do DVD começam a comportar-se exactamente como as do cinema, consumindo as estreias apenas durante as primeiras semanas de exibição? O que este súbito pânico parece significar é que poderemos estar a viver uma fase Drôle de guerre, de convergência de novas tecnologias, e termos mudanças radicais num futuro muito próximo. Algumas certezas podem estar brevemente sobre pressão, e não apenas as dos direitos da imprensa.
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