Página  >  Edições  >  N.º 146  >  O Portugal das educações [III]

O Portugal das educações [III]

Projectos educativos  por encomenda?

E de facto os professores e os seus órgãos representativos, sindicais e profissionais, os representantes dos pais e as autarquias locais não tinham lutado por ela [a autonomia], não a tinham reivindicado nos anos 80 face ao poder político. Foram os especialistas em Ciências da Educação que  fizeram crer ao poder político que os diversos protagonistas da Educação queriam esta política e que saberiam usá-la para realizar o ideal público de democratização da Escola.

Afirmava no último artigo  que a chamada política de ?autonomia escolar local? para a educação básica falhou. Falhou porque ela visava tirar partido do poder profissional dos professores e estes recusam-se a exercê-lo no espaço público e conflitual das políticas educativas. Acrescentava ao meu argumento, que qualquer tentativa para aprofundar a estratégia de autonomia escolar local seria persistir numa ilusão, porque o essencial não ocorreu. Como tive oportunidade de escrever em 1997, com base num estudo etnográfico com professores realizado nos anos lectivos 92-94, estes pareciam ter uma cultura profissional de resistência e de afirmação de um poder periférico às políticas educativas centrais, que não arriscava participar nos conflitos de legitimidade que decidem sobre o futuro das políticas,  preferindo uma atitude ambígua de dinamismo informal, de silêncio cúmplice e de vaga adesão ao imaginário da reforma, então em implementação. Na mesma altura, outros escreveram que a autonomia, enquanto poder para afirmar uma certa visão (formação) e uma certa acção (inovação) sobre a realidade escolar não se dá, conquista-se! E de facto os professores e os seus órgãos representativos, sindicais e profissionais, os representantes dos pais e as autarquias locais não tinham lutado por ela, não a tinham reivindicado nos anos 80 face ao poder político. Foram os especialistas em Ciências da Educação que  fizeram crer ao poder político que os diversos protagonistas da Educação queriam esta política e que saberiam usá-la para realizar o ideal público de democratização da Escola.
O programa do actual governo considera (cf. p.43, versão pdf) que ?é desejável uma maior autonomia das escolas? e acrescenta que tal garantirá mais eficiência e mais adequação ao meio social local, vantagens que visa estimular com os novos, chamados, ?contratos de autonomia?. Estes definirão ?os termos e as condições do desenvolvimento de projectos educativos?. Isto é, o governo central vê vantagens  na autonomia por razões de eficiência ou eficácia, mas quanto à sua maior fundamentação e interesse ? o aparecimento público de projectos educativos diferenciados ? aí parece que o que existe não chega, e vai evoluir-se  para ?projectos educativos? por encomenda do governo. Julgo que esta nova formula, relativa a uma ?autonomia escolar por encomenda?, é o reconhecimento implícito de que aquilo que se projectou, enquanto capacidade e querer das escolas para afirmarem projectos educativos diferenciados, não foi nem vai ser atingido.
Em conclusão, a ideia de desenvolver a autonomia escolar local ao nível do ensino básico apenas se aplica a uma pequena minoria de escolas, que aliás são do conhecimento do Ministério da Educação, dados os registos históricos que existem sobre as escolas que mais desenvolveram projectos de inovação pedagógica, mais conseguiram a participação dos vários protagonistas educativos na vida diária da escola e mais têm consolidado e estabilizado o corpo docente. Só estas escolas estão em condições de poderem ?alimentar?  projectos educativos  consequentes e duráveis, que não se fazem ?só para agradar?  ao governo e que por isso estarão em condições de escolher o seu corpo docente por critérios profissionais e pedagógicos.
As restantes escolas básicas, a maioria, continuam na expectativa de fazer e pensar o que o Ministério manda, tal como nos falava Manuel António Silva, numa entrevista dada a este jornal em Janeiro passado, sobre o actual ambiente existente nas escolas. Penso que nestes casos, a nomeação de um gestor para a escola, não deve ser excluída à partida, caso as escolas em causa não reunam de todo as condições objectivas para a autonomização local.
Entre os dois extremos referidos,  à que seguir uma estratégia de outro tipo, flexível e aberta, que ofereça às escolas  escolhas limitadas, com base num ?menu? de opções variáveis  quanto ao funcionamento da administração escolar local, quanto ao funcionamento do sistema de avaliação, quanto à aplicação do currículo nacional, quanto ao funcionamento do sistema de apoios educativos, quanto ao desenvolvimento de actividades extra-curriculares, etc. Assim, por exemplo, a anunciada ?alteração do sistema de avaliação dos alunos?, contida no programa do actual governo (cf. p.45, versão pdf), é para criar uma nova norma uniforme e homogénea ou para definir um quadro de possibilidades ao alcance das escolhas escolares locais?


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 146
Ano 14, Junho 2005

Autoria:

Telmo H. Caria
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real
Telmo H. Caria
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, UTAD, Vila Real

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo