O ESTADO DA EDUCAÇÃOA PÁGINA quis saber o que pensam os professores da actuação do Ministério da Educação e que balanço fazem da política educativa do executivo de David Justino. Para efectuar este levantamento escolhemos aleatoriamente uma lista de mais de sessenta educadores e professores dos diferentes níveis de ensino a trabalhar em jardins de infância e escolas do Norte do país, tendo o jornal garantido o anonimato dos inquiridos. Deste total, cerca de metade respondeu afirmativamente ao nosso desafio, o que equivale a dizer que as declarações recolhidas se baseiam numa amostra de trinta docentes. A recolha dos depoimentos foi feita em dois grupos. Um preocupou-se em ouvir docentes da educação pré-escolar, do 1º ciclo, aposentados e ensino superior (recolha de Andreia Lobo). O outro centrou a sua atenção sobre o 2º e 3º ciclos e o Ensino Secundário (recolha de Ricardo Costa). Neste número de a PÁGINA o ensino superior é também abordado, numa reportagem, nas páginas 24 e 25. Apesar dos dados limitados da amostra e de se assumir como um trabalho que não pretende ter o rigor de uma sondagem, ele permite perceber de que forma os professores do norte do país vão encarando a escola em que trabalham e até que ponto se sentem desanimados com a actual política educativa do ME. ENSINO PRÉ-ESCOLAR PÚBLICO?É mal aceite? pelo Ministério da Educação Sentem que a rede do pré-escolar público é ?mal aceite? pelo Ministério da Educação. Seja porque se sentem ?excluídas? do sistema, seja porque não compreendem a razão de estarem na dependência das câmaras municipais e não directamente do mistério. Tal como acontece no 2º e 3º ciclo e no Ensino Secundário. Por isso falam da ?pouca valorização? que é dada ao seu trabalho. E aqui há algo que, dizem, torna este facto evidente: a falta de condições (mobiliário e edifícios em degradação) e material de trabalho. Algumas educadoras dizem-se ?fartas? de ?pedinchar? constantemente por coisas novas. Sem autonomia Entre as educadoras inquiridas com idades compreendidas entre os 40 e os 50 e a leccionar na rede pública a ?falta de liberdade?, para planear actividades e entendida também como ?falta de autonomia? são apontadas como os factores mais negativos ocorridos neste ano que agora termina. A reorganização da rede com a consequente integração dos jardins-de-infância em agrupamentos verticais é apontada como um dos ?maiores problemas? que se abateu no sector causadora de ?maiores dificuldades? no desempenho da tarefa de educar. A necessidade de descriminar todas as actividades a desenvolver no Plano de Actividades do agrupamento, constitui, de acordo com os depoimentos recolhidos, uma ?limitação ao trabalho em termos de criatividade?. E diminui a ?espontaneidade? e a ?boa-vontade de fazer as coisas?, características que dizem ser apanágio deste grau de ensino. Perdido o voluntarismo Outra das consequências das ?restrições? que dizem sofrer com os agrupamentos é a perda de um certo espírito ?voluntarista?. Sendo que todos depoimentos recolhidos apontam nesse sentido, um dá um exemplo concreto dessa perda. Ou seja, aponta a obrigatoriedade de reuniões ?para transmissão do que se passa no Conselho Pedagógico do agrupamento? realizadas com a coordenadora, por oposição às reuniões ?não obrigatórias? entre educadoras ao nível concelhio para planificação de actividades conjuntas. Sendo que essas reuniões materializam esse mesmo espírito ?voluntarista? e as outras o condicionamento. Um outro sinal de mal-estar vivido pela junção a um agrupamento vertical é concretizado num outro depoimento. Uma educadora diz-se ?incomodada? pelo facto das actividades a desenvolver pelo seu jardim-de-infância serem ?planeadas pelo agrupamento?, ou seja, por não continuarem a sair ?das mãos das educadoras?, tal como acontecia antes da sua existência. É, por isso, conclusão geral que os agrupamentos não funcionam. Até porque, diz uma outra educadora, ?existem planos muito bonitos e elaborados, mas que não passam do papel?. Falta de partilha Entre colegas há uma ?falta de partilha?, dizem as inquiridas do sector público em resposta à pergunta como vão as relações com os colegas e referindo-se não apenas a quem trabalha lado a lado nos jardins-de- infância, mas também em relação às colegas do primeiro ciclo. Apesar disso, o ambiente na escola é classificado como sendo Bom. No que toca as relações com pais e as crianças elas são ?boas? e ?sem grandes conflitos?. Sendo que as crianças surgem como o único factor de motivação no desempenho da profissão. O futuro A maioria das inquiridas não tem ?grandes expectativas? em relação ao futuro. Mas pedem ?mais sensibilidade? por parte das autarquias. Já em resposta à pergunta que opinião tem da actuação do Ministério da Educação, as inquiridas mostram não sentir a ?tutela? ministerial no que toca ao sector, porém acusam o ministério de ?um grande desconhecimento do que se passa no terreno?. Mas há também quem se mostre confiante de que a política governamental seguida para o sector da Educação até agora ?dará frutos mais tarde?. ENSINO PRÉ-ESCOLAR PARTICULARSem expectativas de ingressar no público
Entre os depoimentos recolhidos, apenas um diz respeito a uma educadora do ensino pré-escolar particular. Não servindo de regra, o depoimento também não parece ser uma excepção, pelo que achamos por bem dar conta dele. Iniciada há pouco tempo na profissão, esta educadora de 27 anos gostaria de ver o Ministério da Educação a tomar duas medidas que acredita serem vitais: ?o encerramento dos cursos de educadoras de infância até que o número de vagas estabilizasse? e a ?equiparação entre o pré-escolar público e privado?. A trabalhar numa Instituição Particular de Solidariedade Social, a educadora refere o facto de os pais das crianças verem a instituição como ?um centro de acolhimento e não um meio de ensino? como um dos factores de maior desencanto. Entre colegas e com a administração as relações são ?boas?. O trabalho realizado é apontado como o factor mais positivo do ano, o mais negativo: ?o não ter expectativas de ingressar na rede pública?. 1º CICLO DO ENSINO BÁSICOÀ margem do sistema
Há um sentimento de ?marginalização?, idêntico ao das colegas do pré-escolar, nos depoimentos das professoras do 1º ciclo, com idades compreendidas entre os 40 e os 55 anos a leccionar no ensino público.
Falta de material e dinheiro Entre as dificuldades enumeradas no que toca ao desempenho da sua função, as inquiridas apontam a ?falta de material? e de ?dinheiro?. A ideia geral de que os agrupamentos verticais vieram ?agravar? os problemas de falta de meios existentes neste grau de ensino é geral. Mesmo para quem ainda não viu a sua escola agrupada. É o caso de uma das inquiridas cuja escola onde lecciona ainda pertence a um agrupamento horizontal, por força, justifica, ?de não existir nenhuma escola de 2º e 3º ciclo por perto?. Esta é a razão apontada pela inquirida para que tudo ?ainda? funcione bem na sua escola.
Mais burocracia Para quem estava habituada à simplicidade da gestão das escolas do 1º ciclo, os agrupamentos verticais são vistos como fonte de ?maior burocracia? dada a associação às escolas do 2º e 3º ciclo. A ?imposição? deste modelo de agrupamento diz uma das inquiridas gera uma aproximação forçada entre ciclos com culturas diferentes, quando esta, deveria ser natural e demorar o seu tempo. A ?perda de autonomia? é um dos factores que mais desencanto proporciona a quem trabalha no 1º ciclo. Entre as professoras contratadas, a maior preocupação profissional é a ?instabilidade?. Referida também como prejudicial ao aproveitamento escolar dos alunos. Do Ministério da Educação, esperavam ?maior profissionalismo? e ?menos erros? nos concursos.
Menos paciência
Neste contexto, ?há menos paciência para os alunos?, diz uma professora. O stress parece ter-se instalado na classe docente. O pessimismo também. Em relação aos pais é referido que ao longo do ano ?não dão muito uso? às horas dispensadas para o atendimento. Algumas professoras queixam-se de que os pais ?não colaboram? nas actividades da escola, nem ?entusiasmam o professor?. As relações com os colegas são boas. O ambiente vivido na escola também.
Necessidades ignoradas
Há um desfasamento entre as necessidades no terreno e as políticas seguidas pelo ministério, dizem as inquiridas. A ?falta de participação? do professor na construção do modelo educacional do país é um dos factores negativos que caracterizou este ano lectivo. Sendo também apontado como gerador de uma ?grande decepção? com a política seguida pelo Ministério da Educação. Seguida da ?falta de discussão? em torno da Lei de Bases da Educação. ENSINO SUPERIOR
?Duvido que mude alguma coisa?
Entre os depoimentos recolhidos, apenas um diz respeito a um professor a leccionar no Ensino Superior. Seguindo o mesmo critério usado em relação à professora do pré-escolar particular, dá-mos conta desta opinião. No encerrar do ano lectivo, há um aspecto impossível de ignorar: ?o financiamento foi insuficiente?. Mas este não é o único factor negativo. Acresce a ?inexistência de autonomia?. Por isso uma das coisas que causa maior desencanto no inquirido de 35 anos é a falta de ?condições de ensino?. Ou seja: ?meios audiovisuais avariados?, ?janelas que não fecham?, ?iluminação que não existe?. Enquanto professor associado é ?a instabilidade na carreira docente? que o preocupa. Mais do que a falta de actualização salarial. Sendo da área da ciência e tecnologia aponta como um dos aspectos negativos no sector onde lecciona a ?falta de qualidade? dos conhecimentos dos alunos. Não só ao nível da matemática como ao nível da cultura geral. Entre as medidas que gostaria de ver tomadas no futuro pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior contam-se ?a avaliação das universidades de acordo com a capacidade do corpo docente?. A política de investigação é também alvo de críticas. Esta deveria ?ir ao encontro de objectivos gerais e não andar à procura do sexo dos anjos?. Mas o cenário não deixa margem para grandes expectativas: ?duvido que mude alguma coisa.? PROFESSORES APOSENTADOS?Cada vez pior?
Quem já está na reforma não tem uma opinião positiva sobre os rumos que a Educação tomou. Entre os inquiridos com idades compreendidas entre os 66 e os 77 a ideia é a de que o ensino ?está cada vez pior?. Entre os depoimentos recolhidos corre a ideia de que fazer reformas do sistema educativo anualmente são contra-producentes. Há também quem veja no professor actual um ?capacho? de pais e alunos. Ou seja, alguém que precisava de ter mais autoridade. Mas também há quem se tenha cansado de acompanhar as novidades e não esteja ?preocupado? com estes assuntos. O dinheiro da reforma não corresponde às expectativas. Recolha de depoimentos e texto: Andreia Lobo 2º e 3º CICLOS E SECUNDÁRIOProfessores à beira de um ataque de nervos Os professores portugueses parecem ter sido apanhados pela onda de pessimismo que varre actualmente o país. Apesar de não se poder generalizar este estado de alma a todos eles, o facto é que a maioria dos docentes do 2º e 3º ciclos e ensino secundário ouvidos pela Página mostram-se desencantados com a escola e com a política educativa preconizada pelo actual governo, não parecendo muito confiantes no futuro próximo. Aqueles que ainda mostram alguma esperança em melhores dias depositam-na num governo de outra cor política (a maioria dá a entender que optaria pelo rosa), mas muitos chegam a admitir que uma mudança à esquerda, por si só, já não representa uma garantia de melhoria do sector educativo. ?Os governos, sejam eles de esquerda ou de direita, limitam-se a gerir a situação herdada do executivo anterior e quando concretizam reformas elas habitualmente não conduzem a nenhuma melhoria significativa ou representam mesmo retrocessos em relação à situação anterior?, diz uma professora do 2º e 3º ciclos de Guimarães que admite já ter confiado mais na capacidade de empreendimento da classe política portuguesa. Uma postura, garante, que ouve de boa parte dos seus colegas, ?cansados de ouvir promessas? e verem tudo continuar na mesma ou pouco mudar. É a luz deste sentimento de descrença que a maioria admitiu não ter alimentado grandes expectativas profissionais no início do ano lectivo e manter igual dose de desânimo naquele que se avizinha. Neste sentido, o desejo recorrente de uma larga percentagem dos inquiridos passa pela mudança ou, no mínimo, pela remodelação da actual equipa do Ministério da Educação. Curiosamente, pelo menos três dos quinze professores do 2º e 3º ciclos ouvidos pela Página deram Marçal Grilo como uma referência à frente da pasta da educação e como alguém que gostariam de ver novamente à frente do ME. Quando questionados sobre que medidas esperavam ter sido tomadas pelo executivo de David Justino, os professores revelaram-se um tanto ou quanto vagos, expressando uma vontade de mudança sem, no entanto, especificarem as medidas que gostariam de ter visto serem concretizadas. Ainda assim, aqueles que o fizeram apontaram a melhoria de condições de trabalho na escola e o fim da precariedade laboral no seio da classe, referindo-se particularmente aos colegas com vínculo precário e no desemprego. ?Num país com tantas necessidades educativas e com uma percentagem tão grande de analfabetismo é inexplicável como este governo e o anterior ignoram a situação dos professores no desemprego e não a revertem em favor da sociedade portuguesa?, afirma uma jovem professora do 2º ciclo de uma escola do Porto, que, apesar de tudo, ainda confia no bom senso da classe política e acredita que, mais tarde ou mais cedo, ?alguém irá acordar para este problema?. Opinião idêntica tem uma também jovem professora em início de carreira, que este ano não conseguiu colocação e desde há dois sobrevive de horários incompletos e de outras actividades temporárias. Na sua opinião, o desprezo mostrado pelo poder político face à educação mostra como Portugal é ainda ?um país terceiro mundista? porque parece não ter aprendido que ?o investimento nas pessoas deveria ser prioritário em relação a outras áreas?.
Gestores nas escolas são uma prática anti-democrática
Outra das questões colocadas a este painel de professores dizia respeito às medidas positivas e negativas introduzidas por David Justino. A avaliar pelas respostas obtidas, o Ministério da Educação não parece ter tomado medidas positivas dignas de relevo ao longo do último ano lectivo. Apenas quatro dos quinze professores do 2º e 3º ciclos e ensino secundário entrevistados fizeram referências nesse sentido, nomeadamente à reorganização da rede escolar e à remodelação curricular do ensino secundário. ?O reordenamento da rede escolar pode trazer vantagens ao nível da partilha de recursos e do percurso escolar dos alunos. Mas para isso é necessário que as escolas se organizem de outra forma e saibam trabalhar colectivamente?, afirma uma professora do distrito de Viana do Castelo, onde a dispersão e o isolamento dos estabelecimentos de ensino é um factor que, na sua opinião, contribui para o insucesso educativo, e poderia ser invertido através de uma articulação mais eficaz entre as escolas. A maioria, porém, optou por identificar medidas com repercussão negativa. E a lista é relativamente diversificada: desde a implementação do ?ranking? de escolas, à forma como foi implementado o reordenamento da rede escolar, passando pelo conteúdo da nova Lei de Bases da Educação ou pela intenção de instalar gestores nas escolas, os professores apontam um dedo acusador ao governo em várias direcções. Uma das queixas mais ouvidas diz respeito à adopção do ?ranking? de escolas que, de acordo com vários dos inquiridos, distorce a realidade vivida no terreno e não acrescenta nada de vantajoso à melhoria do sistema educativo. Pelo contrário, as opiniões são praticamente unânimes em considerar que esta medida poderá contribuir para dividir as escolas e os professores. ?Como é possível que se queira avaliar a prestação das escolas e dos professores através das notas dos alunos? Não é uma medida credível e o ME não pode estar à espera que os professores a considerem como tal?, refere um professor do ensino secundário de Braga. Outra das medidas mais contestadas é a aprovação da nova Lei de Bases da Educação, que reúne o voto de protesto de outra larga percentagem de inquiridos. A possibilidade de gestão profissional das escolas, por exemplo ? uma das mais polémicas medidas previstas na nova LBE - é uma ideia que desagrada de todo aos professores, que a consideram uma forma de ?ingerência? e um ?retrocesso? no processo de gestão democrática das escolas. ?Só faltava que viesse a classe política decidir o que só os profissionais do ensino devem decidir, ou seja, quem os deve ou não representar nos órgãos do seu local de trabalho?, contesta uma professora do ensino secundário de Vila Real, com trinta anos de serviço, que considera mesmo esta uma prática ?anti-democrática?. No que toca às relações dos professores com a comunidade escolar ? alunos, pais, administração e os próprios colegas ? e ao ambiente vivido nas escolas, tudo parece decorrer de uma forma salutar. A única ressalva dos professores vai para a crescente indisciplina e agressividade dos alunos que, de acordo com a maioria, se tem revelado crescente ao longo dos últimos anos e dificulta por vezes o seu trabalho. Muitos dos entrevistados revelaram igualmente uma opinião geral de desacreditação em relação à administração central, que consideram burocrática e cada vez mais ineficaz, havendo mesmo quem a considere, de alguma forma, ?autista?. ?Isso tem sido visível principalmente com este governo, onde muitas decisões têm sido tomadas à revelia dos professores e por vezes contra a própria lei?, diz um professor do Porto, docente do 2º e 3º ciclos, que acredita na possibilidade de esta atitude se manter mesmo com uma mudança de governo. Tudo, refere, porque o poder político parece caminhar para formas de ?prepotência?, e, como referiu uma professora de Bragança, para o ?autoritarismo?. Tendo em conta as opiniões expressas ao longo deste trabalho, pode dizer-se que o balanço da actividade do actual executivo de David Justino é francamente negativo. De referir, no entanto, que das opiniões recolhidas transparece a ideia de que a mudança de governo, por si só, não representa uma garantia de mudança, o que leva a pensar que os professores portugueses já não acreditam em simples remodelações políticas para alterar o actual panorama do sistema educativo português. E, se assim é, de que forma transformá-lo? Recolha de depoimentos e texto: Ricardo Jorge Costa
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