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Peter Ustnov: o irredutível ofício de viver

Peter Ustinov morreu na Suíça, a 28 de Março passado, com 82 anos. Tão grandes eram as esperanças nele depositadas em início de carreira que o balanço parece um anticlimax, tanto para ele como para quem o conheceu nessa altura.
Para estes, Richard Attenborough e muitos outros, ? Não há dúvidas que ele era o génio da nossa geração. Olhávamos para Peter como um potencial novo Tchekhov ou Shaw?.  Quando Ustinov estava próximo dos 70 anos, Attenborough acrescenta: ?não tinha ainda escrito o que era capaz, muito devido à diversidade dos seus talentos?. Nunca o fez, e sabia-o. Estava satisfeito com a imensa alegria que dava; em ser o melhor contador de anedotas do seu tempo, reconhecido como um colega pelos humoristas ingleses.
A sua mãe estava convencida que iria ser um grande génio criativo. Pelos padrões que estabeleceu para si próprio, os da alta cultura da  velha Europa, ficou muito longe. O seu génio virou-se para o engrandecimento da vida.
Na sua estreia em palco em Londres, com 18 anos, o público e os críticos riam-se até às lagrimas com o seu pequeníssimo ?sketch?. Uma das últimas piadas nas festas era imitar todos os instrumentos da ?Eroica?, de Beethoven.
O seu impacto como cómico no início da sua carreira era comparável ao de John Cleese e Rowan Atkinson hoje; mas Peter Ustinov também provou ser um dramaturgo de valor assim como realizador, romancista,  cronista  e actor.
Publicou mais de 20 livros e acumulou prémios e graus honorários. A sua carreira foi  como um fogo de artifício que parecia não ter fim. No fim, talvez tenha ficado abaixo das expectativas da mãe. Mas esteve mais próximo da genialidade do que  qualquer um dos humoristas do seu tempo. No final da sua vida considerava-se um falhado. ?Há apenas uma coisa a meu favor?, escreveu na sua autobiografia ?Dear Me?(1977), que vendeu um milhão de exemplares, ?que foi estar irrevogavelmente fascinado pelo riso, o seu som sempre me pareceu a mais civilizada música do Universo?.
Ustinov nasceu em Londres a 16 de Abril de 1921. Filho único, como ele próprio escreveu ?descendente de gerações de homens rechonchudos ? fui o 214º prémio da vida?. A sua primeira exibição foi a imitação do então primeiro ministro Lloyd George, tinha 2 anos de idade. O seu primeiro erro foi o hábito de por alcunhas na escola. O segundo foi ter abandonado a escola sem ter feito os exames finais. Mas na altura já estava a escrever peças de teatro.
Em 1939, estreou-se no teatro em Londres, com 2 sketches. Um era um monólogo de uma Madame Liselotte Beethoven - Fink, uma imaginária cantora de ?lieder?. Um crítico descreveu-o como ? uma imensa actuação, demasiado macabra e verdadeira para ser apenas cómica?.
Em 1940, um amigo enviou a primeira peça de Ustinov, ?House of Regrets? - trgicomédia sobre um grupo de emigrados russos - para um teatro. Foi representada e o crítico do ?Sunday Times? anunciou ?chegou um novo dramaturgo?. Em 1942, pouco depois do seu 21º aniversário, o novo dramaturgo tinha duas peças em cartaz em Londres.
Durante a guerra, esteve colocado no Army Kinematograph Service, o que lhe permitiu trabalhar como aprendiz de argumentista com Carol Reed e dirigir o seu primeiro filme, ?School For Secrets?(1946), sobre a invenção do radar.
Em 1949 realizou ?Private Angelo?. Em 50/51 deu-nos quatro interpretações brilhantes: ?Odette?, ?Hotel Sahara?, ? We?re no Angels?, com Humphrey Bogart,  e como Nero em ?Quo Vadis?, que lhe valeu a sua primeira nomeação para os Óscares.
No ano de 1952 foi a estreia ?The Love Of Four Colonels?, uma sátira da Guerra Fria, o seu maior sucesso. Em 1956 foi a vez de ?Romanoff e Juliet?, outra sátira da Guerra Fria e outro grande sucesso, posteriormente levado ao écran. Em 1960 veio o seu melhor filme, ?Spartacus?, de Stanley Kubrick. Deu-lhe o Óscar para melhor actor secundário, assim como quatro anos mais tarde ?Topkapi?.
Ustinov gostava de discutir o bem e o mal e os outros temas da cultura europeia, que era a dele, afinal. Mas o público apenas queria que  fosse um tipo engraçado. Gradualmente foi aceitando o papel que os seus admiradores lhe pediam, um ?globe-trotter?, um exilado por causa dos impostos, uma celebridade que contava histórias com vozes engraçadas, e pelas suas interpretações de Hercule Poirot, em vários filmes.
Foi embaixador da UNICEF e presidente Movimento Federalista Mundial.
Nem que fosse apenas pelo seu papel de mercador de escravos em ?Spartacus? teria valido a pena viver.

P.S. "Spartacus" teve  recentemente uma edição especial em Portugal. Cuidadíssima, vejam: além do filme e do habitual "trailler" tem ainda uma colecção de extras que inclui duas entrevistas com Peter Ustinov - atenção especial à de 1992-, outra com Jean Simmons, cenas cortadas, um pequeno filme com os 10 de Hollywood, etc,etc...e "last but not least", os comentários do argumentista Dalton Trumbo. Absolutamente imperdível.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 136
Ano 13, Julho 2004

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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