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"É preciso apostar no ensino experimental"

Um grupo de estudantes portugueses está envolvido na construção de dois micro-satélites europeus. António Melro é aluno da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e coordena uma equipa de sete estudantes desta faculdade que está a desenvolver os cálculos da estrutura do SSETI (Student Space Exploration and Technologie Initiative) - Express. O projecto integra equipas de 21 universidades de nove países. Nesta entrevista, Melro explica os objectivos do projecto e critica a fraca aposta no ensino experimental nas escolas, responsável, na sua opinião, pela falta de interesse dos alunos portugueses na área da ciência.

Como começou e em que consiste este projecto?
O projecto começou em 2001 através do programa Education Orbit, da Agência Espacial Europeia (AEE), cujo objectivo consistia em reunir um grupo de alunos universitários de diferentes áreas da engenharia e da física e criar equipas locais em diferentes universidades onde cada uma estaria responsável pelo projecto de construção de um subsistema de um micro satélite ? um aparelho aproximadamente do tamanho de uma máquina de lavar roupa e com um peso máximo de 120 quilos.

No caso de Portugal as tarefas estão distribuídas pelas universidades de Lisboa e do Porto. Qual é a função atribuída a cada uma delas?
O papel da equipa da Universidade do Porto é dimensionar a estrutura do satélite e compreender que tipo de cargas e de forças irá estar sujeito o satélite durante o lançamento. Há que calcular de que forma os materiais e os painéis da estrutura irão reagir porque há o risco de ele ceder, partir ou deformar e comprometer a missão como um todo ou de um subsistema em particular ? uma câmara ou uma antena, por exemplo. A Universidade de Lisboa está responsável pela parte da navegação, tendo como tarefa calcular o comportamento do satélite e controlar a sua prestação.

Para além do SSETI Express, as duas equipas participam ainda na construção de um outro micro-satélite, o European Student Orbit (ESO). Para que serve cada um deles?
A missão do SSETI Express é a de testar um sistema de propulsão desenvolvido pela universidade de Estugarda, levando a bordo uma câmara para recolher imagens e uma pequena classe de satélites chamados ?Cube sets?, com dez centímetros de aresta, que irão usar este satélite como rampa de lançamento. O SSETI Express irá ser lançado em Maio através de um acordo com a agência espacial russa e com um grupo de estudantes da universidade de Moscovo, que nos irão ajudar no lançamento.
O ESO é um satélite mais completo e ruma ao espaço a bordo do foguetão Ariane 5 já no final do próximo ano. Ao passo que o SSETI Express irá permanecer numa órbita polar, já que tem as linhas de campo magnético em torno da terra, o ESO irá rodar sobre si mesmo e à volta da terra, numa posição geo-estacionária ? isto significa que mantém a mesma posição em relação à terra, rodando à mesma velocidade que o planeta. A principal missão é posicioná-lo sobre o continente europeu e utilizar o sistema de propulsão que irá ser testado no SSETI Express, executando, ao mesmo tempo, uma pequena experiência de medição do plasma solar.

Qual é o tempo de vida útil de um micro-satélite?
Cerca de dois a três meses. Passado este tempo o combustível esgota-se e acabam por cair na terra.

Este é um projecto inédito em termos de engenharia aeroespacial portuguesa?
Não é inédito porque há dois anos foi lançado o PO-SAT, que, apesar de não se poder dizer que seja exclusivamente português, foi a nossa primeira experiência em termos de engenharia aeroespacial.
Este projecto é inédito na medida em que é o primeiro projectado exclusivamente por estudantes portugueses e pelo facto de as tarefas estarem distribuídas por diferentes equipas.

Qual é a vantagem para Portugal estar a desenvolver um projecto deste âmbito?

Acho que fará mais sentido falar nas vantagens que decorrem para a FEUP. Na faculdade não existe nenhum curso de engenharia aeroespacial e não tínhamos qualquer conhecimento ou experiência nesta área. A ideia de desenvolver este projecto é o de trazer algum ?know how?, aplicando as várias normas impostas pela AEE e os conhecimentos que temos em termos de métodos matemáticos e numéricos para dimensionamento de estruturas na construção de um satélite.
A partir desta experiência já pensamos em construir nós próprios um ?cube set?, porque estas estruturas podem ser construídas localmente e sem grandes custos. Os que vão ser lançados agora são da responsabilidade de noruegueses e canadianos. Os ?cube sets? têm essencialmente um utilidade didática ou científica, permitindo aos alunos terem oportunidade de experienciarem a construção um satélite.

Haverá lugar para uma licenciatura em engenharia aeroespacial na Universidade do Porto?
Para já não sei se haverá um número suficiente de candidatos. Será algo para pensar daqui algum tempo.

Portugal tem técnicos para ter um papel importante na AEE?
Sim, e a prova disso é que os que existem estão lá.

Qual é o retorno que o país em aderir à AEE?
Antes de tudo é preciso saber se os que foram estão dispostos a voltar. Ouvi hoje uma notícia sobre a atribuição de um subsídio destinado a incentivar o regresso de investigadores portugueses radicados no estrangeiro. Mas antes de mais será necessário questionar em que condições? Se pensarmos no CERN, o maior acelerador de partículas do mundo, que fica na Suiça, eles vêm para Portugal fazer o quê? No nosso país não há infra-estruturas para termos investigadores a trabalhar cá.

Que papel pode ter a indústria portuguesa no desenvolvimento dessa infra-estrutura, a par com o Estado e os técnicos?
Eu talvez eliminasse o Estado desse partenariado. Eu preferia que houvesse uma relação mais estreita entre a indústria, as universidades e os centros de investigação. Já houve situações dessas aqui e funcionaram bem.

A indústria portuguesa está a responder positivamente a esse desafio?
Sim, penso que começa a responder positivamente.

Porque razão em Portugal há tão poucos interessados nestas tecnologias de ponta, nomeadamente em engenharia aeroespacial?
Eu acho que é uma situação que decorre da aprendizagem do ensino básico e secundário. Olhando para trás, quando andava na escola a matéria era dada apoiada na teoria, com números, letras e giz num quadro negro. É preciso apostar no ensino experimental, mostrar aos alunos mais jovens que aquilo serve para alguma coisa. Dizer que a Lei de Newton para a gravitação se aplica através de uma determinada fórmula é muito interessante, mas para que serve? (Serve para ter um satélite em órbita, por exemplo, mas os alunos não sabem isso!...).

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 134
Ano 13, Maio 2004

Autoria:

António Melro

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
António Melro

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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