DECISÃO CURRICULAR E IGUALDADE DE OPORTUNIDADES1. É há muito reconhecido pela Sociologia e pela Antropologia da Educação que a escola tende a privilegiar os conhecimentos mais ajustados às classes e culturas nacionais dominantes e a reproduzir as desigualdades culturais, sociais e ideológicas em função dos diferentes capitais culturais dos alunos. As teorias da resistência à reprodução colocam nas mãos, particularmente dos professores, a tarefa de atenuar o efeito discriminatório da escola enquanto mecanismo daquela reprodução. Espera-se que nessa tarefa, os professores, no seu papel de gestores, decisores e animadores do processo de ensino e aprendizagem, valorizem os capitais culturais específicos de cada aluno de modo a criarem condições de aprendizagem a partir das suas culturas e dos seus espaços de socialização primária. Trata-se de assegurar uma distribuição equitativa de poder, na sala de aula, pelos portadores dos diferentes saberes numa lógica sociologicamente reconhecida de que saber é poder; de reconhecer e valorizar, enquanto conhecimentos escolares, os saberes e estilos que identificam e distinguem cada um na crescente diversidade que caracteriza a escola. 2. É também reconhecido que é um traço dominante da cultura dos professores o facto de se reconhecerem, em primeiro lugar, enquanto professores de grupos - classes, turmas ? e menos de alunos individualmente considerados. Idealmente, deseja-se que o grupo seja étnica, cultural e socialmente homogéneo. Quaisquer variações na sua composição tendem, inicialmente, a ser vistas como desvios em relação ao grupo considerado normalizado e sentidas como perturbações às estratégias de sobrevivência usualmente utilizadas pelo professor. O elenco das respostas iniciais dos docentes face à diversificação dos alunos, é grande e as mudanças progressivas. Os professores mais conservadores tendem a reforçar as estratégias directivas de ensino e de controlo que sempre utilizaram, pressionando a assimilação do currículo nacional. Outros acolhem a diversidade dos seus alunos através de pedagogias não directivas. Mas de modos muito diferenciados. Uns reajustam processos de decisão e controlo no sentido de equilibrar a teia de relações culturais, étnicas, sociais entre a diversidade dos alunos na aula, no sentido da afirmação e reconhecimento dos diferentes capitais culturais e o uso da autonomia de cada aluno em clima de igualdade de oportunidades. Outros deixam que a não directividade constitua uma arena de liberalismo onde se amplia a desigualdade de protagonismo no processo de aprendizagem. A adulteração dos modelos não directivos pode assim servir de cobertura a maior discriminação se a diversidade dos alunos não for acolhida em dinâmicas de aula que valorizem e promovam os seus saberes, assegurem espaços de autonomia e de participação. Numa aparente contradição, a não directividade exige, muito mais do directividade, uma permanente afirmação do professor decisor. 3. Referi noutro texto, neste jornal, que a análise e intervenção social na complexidade do mundo actual, através de modelos, sem a sua permanente autocrítica e tomadas de decisão, estão esgotadas. Certas noções de modelo, envolvem conotações estáticas e imobilistas. Apresentam o perigo de confundir o conhecimento do modelo com o domínio da prática de intervenção que ele suporta; de fazer centrar a resposta às situações na fórmula e não no sujeito; e de, portanto, não serem tomadas as decisões adequadas face a situações a que o modelo tal como foi concebido, já não responde. As novas realidades étnicas e culturais na sala de aula, evidenciam claramente aquelas limitações e apelam a mudanças significativas da cultura dos professores que dificilmente podem ser substituídas ou incorporadas em quaisquer modelos. O essencial dessas mudanças remete para o reforço do papel do professor enquanto decisor com autonomia face às situações. Em contexto de diversidade, a decisão do professor diz respeito aos modos como reequaciona o lugar de cada aluno na teia do processo de aprendizagem e das interacções na sala de aula. E este aspecto é elemento essencial da educação multicultural 4. É neste quadro de fundo de autonomia e liberdade e de heterogeneidade étnica e cultural que parece indispensável que o professor use o seu papel de decisor de modo a assegurar processos equitativos de aprendizagem. Espera-se aqui que o professor planifique, estabeleça objectivos, consolide processos e avalie tendo em particular atenção os alunos que, de outro modo, ficariam nas franjas desses processos. Não vale deturpar o sentido de não directividade deixando que na arena da sala de aula sejam ampliados fluxos de relações desiguais no poder de aprender. De certa maneira trata-se de sugerir que os professores assumam um papel de resistência aos efeitos de uma globalização neoliberal na sala de aula, atenuando os efeitos de uma aparente liberdade de acção e assumindo que os alunos são portadores de diferentes poderes para dela usufruirem. Aprendem mais os que mais participam nos processos escolares ajustados à cultura dominante e os que têm acesso mais facilitado à informação numa sociedade cada vez mais globalizada. Claro que não se deseja que esses aprendam menos! Mas que aos outros sejam também asseguradas mais oportunidades de aprender.
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