A cidade é feita de lugares e pensamentos. De lugares e emoções. É feita de gente. Porque vendo bem, a cidade é o produto das atitudes da gente que a usufrui. Gente concreta, nas situações quotidianas que constroem o mistério de viver. (Helder Pacheco. A cidade é um sentimento. 1996)
Parafraseando Helder Pacheco, partimos da afirmação de que são as pessoas que fazem as cidades. São as pessoas que enchem os espaços de odores, de sabores, de sons, de memórias, de sonhos, de amores e de desamores. Na multidimensionalidade dos seus actos de viver, as pessoas partilham alegrias, tristezas, razões, afectos e emoções, construindo assim lugares de pertença e de comunidade. Em termos pedagógicos, o desafio passa por procurar dar expressão a esses actos, perspectivando-os numa lógica de desejo e de futuro, de acordo com os ideais de justiça e de solidariedade consensualizados no espaço democrático. Ou seja, potenciando-os enquanto actos de aprender intencionais e, como tal, racionalmente planificados. O projecto das «cidades educadoras» que, segundo diferentes configurações, começa a ganhar expressão europeia, inscreve-se nesta linha de preocupações. Privilegia-se aí uma visão cultural e relacional da cidade, organizada em função do contributo dos seus cidadãos, responsabilizados em termos de participação social e de compromisso. De um espaço educativo, possível de ser valorizado entre outros, a cidade passa a identificar-se como espaço educador quando se organiza, deliberada e estrategicamente, no sentido de favorecer o processo de aprendizagem permanente das pessoas que, habitando-a, lhe dão alma e rosto. Que lhe dão personalidade, portanto. O que, de modo nenhum, pode justificar a tentativa de escolarização da vida social. É outra a relação entre a educação e tempo humano que aqui está em causa. Tal como foi afirmado na cimeira Mundial do Desenvolvimento Humano, promovida pelas Nações Unidas em vésperas do seu cinquentenário (Copenhaga, 1995), todos os membros de uma sociedade devem ter oportunidade de exercer o direito, e o dever, de participar activamente na construção do espaço comum. É este, justamente, o imperativo que preside à utopia das cidades educadoras, aquelas que, a todos os níveis da sua organização e gestão, afirmam explicitamente uma intencionalidade pedagógica. Enquanto lugar privilegiado de formação, com uma tradição e uma identidade organizacional próprias, a escola ocupa uma posição fundamental na afirmação de uma vontade educadora por parte das cidades, interagindo e co-responsabilizando-se solidariamente com outros contextos pedagógicos. Para isso precisa activar os seus modos de ligação à comunidade, multiplicando-os e reinventando-os. Uma escola aberta ao meio é uma escola que marca o mundo exterior com a sua iniciativa e, ao mesmo tempo, se afirma como capaz de acolher a interpelação que lhe chega desse mundo. Como tivemos oportunidade de sublinhar num texto anterior, a escola deve funcionar como lugar de hospitalidade, ou lugar antropológico se adoptarmos a noção proposta por Marc Augé. Todavia, esta dimensão relacional da escola não é separável da dimensão relacional da própria comunidade. Entre a escola, o bairro, a habitação, o clube desportivo, a associação cultural e recreativa, o local de trabalho ou de lazer, há que estabelecer uma corrente de interacção humana capaz de dar sentido ao quotidiano das pessoas e, assim, influenciar positivamente as suas trajectórias de vida. Estaremos, então, a contribuir para a criação de espaços que, pela sua densidade antropológica, podem servir para ajudar a despertar a vocação humana para a transcendência e, nessa medida, funcionar como verdadeiros laboratórios de laços sociais onde a vinculação ética ao outro tenha a marca da solicitude mútua, do respeito e da sensibilidade. Potenciado em práticas de autêntica relação social, o reconhecimento intersubjectivo surge-nos como condição de convivência, de paz e solidariedade. Valores estes que, como sabemos, o mundo contemporâneo reclama, com urgência.
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