Para comemorar a passagem dos 80 anos de vida, cumpridos em Maio deste ano, a Fotobiobrafia de Eduardo Lourenço, organizada por duas estudiosas da obra do autor de Tempo e Poesia, não revela em toda a sua dimensão (porque muita coisa ficou de fora ou não se quis dar a conhecer) o itinerário intelectual de quem sempre se afirmou e tem sido reconhecido como um verdadeiro e lúcido ensaísta "moderno", talvez um dos poucos que sempre deu uma grande atenção aos problemas estéticos, filosóficos, literários e políticos do nosso tempo. Na verdade, toda a sua constante participação cultural, que se inicia em 1949 com a edição de Heterodoxia-1, dispersa que andou durante anos por jornais e revistas, mesmo a intervenção directa em colóquios, encontros e seminários, sempre revelou a mesma coerência e autenticidade por parte de quem entende a literatura como "existência" e numa vida já longa de oitenta anos não pôde deixar de fazer desta actividade a sua pessoal forma de realização. Pelo seu espírito crítico luminoso e uma carga informativa excessivamente actualizada daquilo que no plano da literatura dos últimos cinquenta anos se tem produzido, Eduardo Lourenço está desde há muito na primeira linha dos ensaístas que mais profundamente estudaram a cultura portuguesa contemporânea. Deste modo, acentuar a própria modernidade do conjunto da obra ensaística do autor de Pessoa Revisitado, como observara Vergílio Ferreira "é dar relevo ao que supera imediatamente os acidentes de uma publicação, impõe inexoravelmente ao nosso espaço cultural uma das obras mais vivas deste tempo de morte". Julgamos, pois, que os tempos que se revelam ou se determinam nesta Fotobiografia não incidem de todo nos passos essenciais desse seu trajecto e quase se limitam a ser um registo (como nem sempre se impõe em obras deste género) dos aspectos mais directos do próprio meio familiar, dos amigos mais próximos ou dos factos que foram primordais nessa aventura. Mas a ?aventura? de Eduardo Lourenço não se patenteia apenas nos aspectos culturais e políticos, mas evidencia-se também no convívio e amizade com outras gentes gente que tiveram importância na sua formação ou na afirmação da própria obra, mesmo que pelos anos fora se tenham afastado nos altos e baixos desse convívio. Não queremos particularizar ou lembrar nomes e factos, mas entendemos que no balanço final como é o tempo e espaço desta Fotobiografia (e servindo assim de pretexto à celebração dos oitenta anos) deveriam as autoras deste trabalho ter-se documentado melhor ou levado a sua inquirição para a memória e presença de outras gentes que tiveram realmente importância nos tempos de Eduardo Lourenço. Por outro lado, o que mais chama a atenção do leitor informado do trajecto literário e político do autor de Os Militares e a Política é ainda a ausência ou o esquecimento de certas referências culturais ou pessoais em favor de outras que merecem um destaque que de todo o não têm na vida do autor ou não foram por ele mesmo indicadas. O conhecimento mais recente dos tempos de Eduardo Lourenço não pode apagar outros tempos que foram marcantes no seu trajecto cultural desde os tempos de uma Coimbra dos anos 40 até ao pós-Abril de 1974 e, sobretudo, aos interesses e problemas da nossa mais recente integração europeia. Ora, o que precisamente existe de mais vivo nessa obra, julgamos nós, foi o propósito de Eduardo Lourenço manifestar desde sempre uma clara forma de intervenção e de actuação na vida cultural portuguesa, muito antes de Abril ter chegado, mas em grande parte apenas reconhecida nos últimos trinta anos. E, por ter passado a estar por direito na primeira linha de participação a todos os níveis e por não terem escasseado as oportunidades de romper essa "cortina de silêncio" que ao longo de muito tempo envolveu os seus ensaios e textos de crítica e de intervenção, a obra ensaística do autor de O Canto do Signo não deixa de manifestar em toda a clareza a capacidade de estar atento à literatura portuguesa e nada ter perdido pela distância ou por ter vivido quase sempre longe de Portugal. De qualquer modo, para lá de se dever referir a deficiente qualidade gráfica desta edição que é patente em muitas fotografias ou documentos, acentuemos, no entanto, que é sempre muito estimulante e um elevado prazer de leitura retomar o diálogo com textos e imagens de Eduardo Lourenço, relendo uma e outra vez o que pudemos conhecer, repetimos, num período que se prolonga por mais de cinquenta anos de intensa e profunda atenção dada à literatura e à crítica literária portuguesa.
Maria Manuela Cruzeiro Maria Manuel Baptista FOTOBIOGRAFIA DE EDUARDO LOURENÇO Ed. Campo das Letras / Porto, 2003.
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