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Ética Profissional Docente ? em busca de um novo paradigma de referência

TEMOS VINDO A ADVOGAR A NECESSIDADE DE INTERROGAR AS DIFERENTES DIMENSÕES DA PROFISSÃO A PARTIR DE UMA EXIGÊNCIA PERSEVERANTEMENTE CRÍTICA E, COMO TAL, SUBVERSIVA EM RELAÇÃO À NATURALIDADE DOS COSTUMES E DOS CÓDIGOS MORAIS QUE A SOCIEDADE ELEGE COMO PRIORITÁRIOS.

Recusando separar a vida moral da reflexão ética, o universo do como do universo do porquê, temos vindo a advogar a necessidade de interrogar as diferentes dimensões da profissão a partir de uma exigência perseverantemente crítica e, como tal, subversiva em relação à naturalidade dos costumes e dos códigos morais que a sociedade elege como prioritários. O que, por outro lado, não significa a submissão ao poder da contingência ou a simples remissão para uma capacidade de decisão individual em contextos singulares, muitas vezes problemáticos, e especialmente labirínticos do ponto de vista humano. À medida que a profissão evolui em termos de maturidade e de autonomia, torna-se cada vez mais imperativa a necessidade de adopção de princípios éticos comuns, formalmente assumidos e publicitados. Enquanto parte integrante de um saber técnico-científico próprio, a explicitação pública dos eixos estruturantes da responsabilidade ética dos professores contribui, inequivocamente, para a valorização da sua identidade profissional. Mas em que termos deve ser feita essa explicitação? Como, com quem, onde promover a decisão profissional necessária?
Para começar, e mais uma vez, remetemos para a anterioridade do porquê que justifica a pertinência destas questões. Tal como as éticas sociais, as éticas profissionais inscrevem-se em horizontes conceptuais determinados e de elucidação obrigatória quando se trata de averiguar sobre os valores de referência. Arriscando o reducionismo de uma esquematização, sinalizamos os dois paradigmas que tradicionalmente balizam a reflexão ética, um de carácter teleológico, indexado a uma cultura filosófica de matriz aristotélica, e outro de carácter deontológico, de inspiração kantiana. Subordinada a um paradigma teleológico, a ética profissional privilegia a consideração dos fins a atingir, coloca o bom antes do obrigatório, valorizando as virtudes do carácter e reconhecendo o papel das convicções na acção humana. Neste caso, a formação ética centra-se na aprendizagem das teorias morais e na interiorização dos princípios que deverão guiar o exercício de uma liberdade pessoal autónoma. Filiada no segundo paradigma, a ética profissional assume um carácter fundamentalmente normativo, apostando na universalização de máximas de conduta e na obediência à lei moral, de acordo com uma cultura da justiça e de imparcialidade assente na prioridade de valores como responsabilidade ou dever. Privilegia-se então a aprendizagem de regras e a aplicação dedutiva de princípios muitas vezes decididos no exterior da profissão.
Impulsionada pelos desafios da contemporaneidade, a reflexão filosófica caminha hoje numa via de superação da lógica dicotomizante que tem presidido à análise tradicional, procurando afirmar uma racionalidade sensível, aberta às várias dimensões de alteridade que fecundam o tempo humano e, nessa medida, capaz de apoiar o processo de construção de uma cidadania activa, solidária e eticamente comprometida. Estamos aqui perante a emergência de um paradigma novo assente no primado antropológico da relação interpessoal. É no encontro intersubjectivo que se alicerça a capacidade reflexiva e projectiva de sujeitos apostados na realização legítima do seu direito à felicidade e ao bem-estar, mas sem a tentação de inocência que marca algumas das estratégias de vida no mundo contemporâneo. A um nível essencial, a atitude ética radica na capacidade para ser afectado, profundamente, pelas dores alheias, mesmo se estas dores nos interpelam à distância. É preciso, é possível, dizer não à violência que ameaça a liberdade. Nisso reside a grandeza do humano, na possibilidade de transcender os limites da sua própria condição. O respeito por essa capacidade de transcendência obriga a que o exercício da responsabilidade pessoal seja mediado por leis jurídico-morais, mas sem nunca se reduzir a elas. A par de noções como liberdade, dever, responsabilidade ou solidariedade, propõem-se agora categorias aparentemente estranhas ao discurso racional como amor, hospitalidade, cuidado, solicitude ou bondade, consideradas imprescindíveis na correcção da justiça que nunca é a suficientemente justa. Conforme tentaremos fundamentar em textos posteriores, é neste alinhamento conceptual que situamos as preocupações éticas da profissão docente, incitada a repensar-se no quadro de uma sociedade cognitiva, complexa, tecnológica e, desejavelmente, humanista. 


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 127
Ano 12, Outubro 2003

Autoria:

Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto
Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto

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