Página  >  Edições  >  N.º 121  >  Reflexões sobre lógicas horizontais e verticais aplicadas à Escola e à Sociedade

Reflexões sobre lógicas horizontais e verticais aplicadas à Escola e à Sociedade

Este governo esqueceu a História. Quem diria, um governo de direita, esta sempre tão afeita à História Pátria, esqueceu-se de quase nove séculos, durante os quais o nosso país, se tornou Nação, com uma cultura e língua comuns que extravasaram o espaço europeu, uma sociedade específica com uma economia peculiar, a constituir problema estrutural condicionante de desenvolvimentos.

A política essencialmente directivista e gestionária, impondo verticalmente medidas desconexas da realidade portuguesa, é bem o exemplo de querer começar a construir uma casa pelo telhado. É sempre assim sempre que as entidades nacionais ou outras se esquecem da sua própria individualidade, para seguirem servilmente as medidas ditadas por instâncias externas, a quem as realidades específicas são estranhas.  Quer isto dizer, por exemplo, que se a Alemanha pode aplicar políticas financeiras de forte restrição sem que isso afecte de forma significativa a sua economia, o mesmo já não acontece a Portugal. O que é óbvio. Uma política financeira obcecada por índices determinados exteriormente, vai necessariamente gerar uma crise económica de consequências pouco previsíveis. A economia portuguesa é frágil, apresenta problemas de produtividade e consequente falta de poder competitivo. Uma economia que não conheceu uma verdadeira revolução industrial, sendo o sector secundário existente o resultado de um processo político de teor estatal, e não a imanência de verdadeiras dinâmicas sociais e económicas, enraizadas no devir histórico nacional.
Aplicada à realidade escolar, esta filosofia desligada das realidades do país vai originar fragmentações profundas na sociedade, já de si atravessado por profundas diferenças no tecido social. A Escola empresa, gerida por pseudo-profissionais, cuja competência se mede pela capacidade de amedrontar e não pela abertura ao diálogo, vai ter múltiplas implicações: gerar mais conflitos laborais, logo num local tão sensível como a Escola, onde a instabilidade é facilmente percepcionada por toda a comunidade educativa, com repercussões na aprendizagem e bem estar dos alunos; dar prioridade aos resultados em detrimento dos processos de aprendizagem que privilegiam progressos em função das especificidades vivenciais do aluno; distinguir os bons dos maus alunos de acordo com critérios subjectivos, próprios dos modelos capitalistas de sociedade. A mesma obsessão pelos números, quer na política financeira, quer na política educativa. O importante é apresentar dados estatísticos favoráveis à manutenção e credibilização desses profissionais, cujos critérios aferidores da sua qualidade humana se desconhecem. Aplicar a lógica do privado ao ensino público vai desvirtuar os aspectos positivos deste último, assentes em relações de horizontalidade no âmbito profissional e numa visão da realidade humana constituída pelos alunos gradualmente mais flexível. Esta gestão vai mesmo acentuar a seleccão de escolas públicas de primeira e de segunda, ditadas pelos meios envolventes onde estão situadas e, essencialmente, pelos resultados conseguidos.
A filosofia subjacente à existência de profissionais de gestão na Escola, exteriores a esta, é a de organizar a clivagem económico-social que a sociedade capitalista promove e efectiva. 
Escola e sociedade estão em estreita relação. As trocas entre ambas são constantes e assentam numa base dialéctica: constroem-se, reformulam-se, regulam-se.  A Escola pode alimentar uma sociedade estratificada, hierarquizada em função de classes sociais com maior ou menor capacidade monetária. Ou pode corrigir essas diferenças, incorporando na sua essência a própria heterogeneidade social, vitalizando a diversidade e integrando-a de forma a que a sociedade a interprete como um dado novo, positivo, capaz de se constituir em factor de desenvolvimento e prosperidade. O desafio dos tempos de hoje é o de escolher entre dois caminhos: assumir a diversidade social, ou compartimentá-la em grupos estanques, opostos entre si. A Escola desempenha aqui um papel fundamental. A lógica da Escola empresa, gerida verticalmente, pressupõe uma visão da sociedade fechada, hierarquizada, geradora de múltiplas diferenças distintivas. Uma sociedade comandada por uma elite de duvidosos méritos, inteligências superficiais e humanismo pouco credível. Elites cujas políticas estão de costas voltadas para a História, passada e presente, não atendendo ao pressuposto fundamental de que as inúmeras circunstâncias da actualidade são fruto de dinâmicas estruturais enraizadas no tempo e nos espaços, lentas, e que só a inteligência social pode desvendar e tentar explicar. Sem o esforço sério de contextualização histórica, social e económica, vamos continuar a colar políticas importadas numa realidade a exigir prementemente reformas sérias e consistentes.
O papel da Escola é o de formar os futuros cidadãos de um mundo mais justo e humanizado, aproximando em vez de opôr, pacificando em vez de crispar, integrando sem eliminar minorias, ?gerindo? (note-se como este termo pode ter outras conotações bem menos conflituosas)  a heterogeneidade social numa lógica progressista e positiva. Encarando-a como uma potencialidade e não como um defeito a eliminar, excluir ou ocultar.
Parece que este não é o caminho do actual governo. É pena. Mas também é lógico que assim seja, pois é o que acontece quando não temos políticas próprias e andamos a reboque dos poderosos.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 121
Ano 12, Março 2003

Autoria:

Paulo Frederico Ferreira Gonçalves
Professor do 2º ciclo na Escola Básica S. Torcato - Guimarães
Paulo Frederico Ferreira Gonçalves
Professor do 2º ciclo na Escola Básica S. Torcato - Guimarães

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo