O ?franchise? de mais confiança do mundo do Cinema nasceu assim : ?James Bond suddenly knew that he was tired . He always knew when his body or his mind had had enough and he acted on the knowledge.?[1] . O autor Ian Fleming apresentava assim o seu auto confiante e sádico agente secreto em ? Casino Royale ?, publicado em 1953. Mas Bond está , claro, em 20 filmes desde essa altura. Estes conservaram-no fresco e deram-lhe uma identidade para além da marca. Vejamos o actual Bond, Pierce Brosnan, cuja estreia ? Die Another Day ? aconteceu o mês passado?. A sua expressão facial faz com que as fotografias pareçam não ter qualquer significado. Brosnan é, sem duvida, o mais discretamente (?) bidimensional de todos os 007. É tão profissional que nos poderia convencer que qualquer um poderia fazer um filme do 007. Mas enquanto antes a sua indiferença significava a sua impermeabilidade ao destino, agora parece mais um acto de mímica. Para provar que James Bond é uma ideia cansada, basta notar que as energias de todos os envolvidos na feitura dos filmes de Bond são dirigidas para desviar a nossa atenção do inevitável da sua redundância. É claro que continua a ter muita piada descobrir os ? fait-divers ? da rotina habitual: as novas ? Bond girls ?, os novos cenários naturais, novos adereços (?gadgets? ... mas mesmo que se seja um fã de Bond , e eu sou, não nos passa às vezes pela cabeça o desejo de ver o ? Death of Bond ?? Afinal, para quase todas as gerações de frequentadores de cinema, Bond está aí? forever ( e logo que se diz a palavra, ouve-se a voz de Shirley Bassey ). É verdade que, como diria qualquer dos seus arqui-inimigos, ele sobreviveu à sua inutilidade. É verdade que ele fez parte da reconstrução da identidade multicultural britânica, com as suas atitudes de superioridade para com o resto da Humanidade. James Bond acumula dois factos: é o último super-herói e o último êxito de bilheteira britânicos. Não que os lucros fiquem no Reino Unido - vão, naturalmente, para os produtores americanos- mas o orçamento é gasto em estúdios e técnicos britânicos. Enfrentemos os factos como se estivéssemos num congresso de operacionais do SMERSH.: enquanto fizer montes de dinheiro, 007 é imortal , digamos o que digamos. Ele tem apenas de vencer cada geração de frequentadores de cinema enquanto puder. Durante os anos de Roger Moore , Bond estava tão fatalmente fora de moda quanto era possível com a juventude dos anos 70. No entanto, as intermináveis reposições na televisão tornaram-no parte do vazio cativante da década, o que mais tarde, algo perversamente, o tornou ?in ? para os ironistas das gerações X e Y. De qualquer maneira Bond já faz parte da nossa cultura. Ao ler ? Casino Royale ? parece que Ian Fleming inspirou o mundo moderno consumista. Se Fleming não tivesse sido tão profético ao perceber as aspirações a uma vida sofisticada e em grande estilo por parte dos ocidentais dos anos 50, não teria dado a Bond aquele ar snob, epitomisado pelo célebre ? Vodka Martini shaken not stirred ?. Mas se Bond não fosse assim, estaríamos, hoje, tão ?apanhados ? por estilistas e super-modelos ? Quem sabe ? Bond nasceu durante a revitalização da indústria e comércio Britânicos do pós-guerra. Asfixiado pelas dívidas de guerra para com os Estados Unidos, o Reino Unido recuperou mais lentamente do que os seus ex-inimigos, a Alemanha (Ocidental) e o Japão. Mas a meados dos anos 50 a economia melhorou e a mobilidade social renasceu. O feito genial de Fleming foi a construção do perdurável ?glamour? de Bond. Pode-se louvar o insubstituível Sean Connery por ter feito o seu trabalho: aquele sotaque e ar trocista de Edimburgo tornaram suficientemente crível o seu gosto por duches gelados, enquanto o seu sorriso, meio cativante, meio irónico, era suficiente para explicar qualquer pouco plausível conquista feminina. A sua excelência criou uma fantasia, não só para os conhecedores da ficção de espionagem, mas também para o verdadeiro público de Bond: os fantasistas de colarinho branco. Bond encaixa melhor no arquétipo do grande homem de negócios do que no do verdadeiro espião. Com o seu reconhecido brilhantismo, Bond é a imagem do que veio a ser , devido à sua influência, o ?executive style? : o ar ?cool? no casino, o vestir para o jantar, os carros espampanantes, os fabulosos ?gadgets?, as conquistas de mulheres exóticas e a intrínseca superioridade sobre todas as raças tornam-no na definitiva fantasia do executivo do pós-guerra. Então o que está ele a vender-nos? O Bond de Fleming é o último grande patife do imperialismo britânico, um sinal de que o imperialismo moribundo ainda tinha um ferrão terrível para usar. O James Bond de Pierce Brosnan parece cada vez mais uma piada pós-moderna de resposta ao novo intelectualismo britânico, representado por Hugh Grant, num filme com argumento de Richard Curtis. È xenofobia . Claro, que vai progressivamente desaparecendo, mas que ainda se nota em algumas piadas. Não admira que o realizador do último Bond, Lee Tamahori (sim, o do interessantíssimo ?Once We Were Warriors?, por ironia, um neozelandês), não esteja ansioso ?por ser muito politicamente correcto?.
P.S. John Carpenter , além de ser o realizador e compositor que se conhece, lançou no mercado um jogo de computador, baseado no seu filme ?The Thing?, e vai ainda editar albuns de B.D. Segundo os especialistas é algo a não perder.
[1] ?De repente James Bond soube que estava cansado. Ele sabia sempre quando o seu corpo ou a sua mente tinham atingido o limite e agia de acordo com isso.?
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