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A Condição Híbrida dos Pais-Professores

Embora a relação escola-família tenha vindo a ser alvo de uma atenção crescente por parte da pesquisa social, esta tem-se centrado esmagadoramente na interacção entre pais e professores (deixando de lado, por exemplo, o papel desempenhado pela criança ou jovem e pelas associações de pais). Mesmo em relação aos pais têm sido escassas as referências a uma categoria especial de pais: a dos que exercem a profissão docente.

Por "pais-professores" entendo os pais (no seu sentido plural, dado que, em grande parte, são mães) que, de diferentes modos, integram o movimento associativo dos pais (líderes de associações de pais, representantes dos pais em órgãos da escola, etc.) e que acontece serem profissionalmente docentes.
O papel por si desempenhado e o modo como são percepcionados pelos outros é pouco claro e levanta várias questões. O primeiro aspecto a destacar é o de que os pais-professores - porque simultaneamente pais e professores - são seres híbridos. Numa reunião de pais, numa assembleia de escola, num conselho de turma, eles, por mais que queiram, não podem libertar-se desta dupla condição. A questão que daqui decorre é a de como se joga esta dualidade nas interacções rotineiras entre pais-professores e pais e entre pais-professores e professores. Como é ela sentida pelos próprios? E será ela interpretada de igual modo por uns e por outros? Um pai-professor é mais pai ou é mais professor? Não constituem os pais-professores uma "ponte privilegiada" entre escolas e famílias (Silva, 2001)? Por outro lado, não constituirão eles uma espécie de "agentes duplos" (id.)? Não corresponderá a dualidade afinal a uma ambivalência? E, se assim for, como é esta ambivalência traduzida? Sob que condições? Com que efeitos?
Em tempos, um ex-dirigente da CONFAP testemunhava-me que os pais tendem a eleger docentes como seus representantes devido ao conhecimento que detêm do meio escolar, ao mesmo tempo que me sugeria que os pais-professores tendem a controlar por dentro o movimento associativo dos pais e a tudo fazer para que os docentes não sejam "beliscados" (sic). Em contrapartida, é frequente ouvir professores queixarem-se de que os pais-professores são "os piores", na medida em que são os mais "inquisitivos", quando não mesmo os mais "implicativos", pois interagem com eles numa relação de igualdade tanto social como profissional. Em que ficamos?
Um estudo etnográfico por mim conduzido em três escolas públicas do 1º ciclo (Silva, op. cit.) sugere ser a realidade mais matizada, a impedir respostas simples. Aí me dei conta de quão importante se revelou, por exemplo, a existência ou não de uma correspondência entre o grau de ensino de pais-professores e de professores (no caso em que a AP era controlada por mães-professoras do ensino secundário a relação era de independência entre ambos os grupos e mesmo de alguma incomodidade para o corpo docente).
Estes exemplos ajudam a entendermos que necessitamos de uma investigação mais aturada sobre o papel desempenhado pelos pais-professores, pois estamos perante uma daquelas áreas da realidade social onde os pré-juízos, os pré-conceitos, o senso comum, se podem revelar particularmente ilusórios. Tão mais ilusórios quão mais próximos nos sentimos desta mesma realidade.
Situações como a correspondência ou não entre graus e modalidades de ensino; a influência do género (pais/mães; professores/professoras); a composição sociológica dominante do meio onde se localiza a escola; a postura mais ou menos inter/multicultural (Stoer e Cortesão, 1999), mais oblata ou mais trânsfuga (Vieira, 1999) de uns e de outros; as políticas implícitas ou explícitas de cada escola face aos pais-professores e o modo como estes a elas reagem, parecem constituir alguns dos aspectos a serem equacionados. O facto de as questões se sobreporem às respostas constitui incentivo a uma investigação mais aprofundada.

Referências Bibliográficas
  • Silva, Pedro (2001) Interface Escola-Família, Um Olhar Sociológico, Porto: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto, Tese de Doutoramento.
  • Stoer, Stephen e Cortesão, Luiza (1999) Levantando A Pedra ? Da Pedagogia Inter/Multicultural às Políticas Educativas Numa Época de Transnacionalização, Porto: Edições Afrontamento.
  • Vieira, Ricardo (1999) Histórias de Vida e Identidades ? Professores e Interculturalidade, Porto: Edições Afrontamento.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 116
Ano 11, Outubro 2002

Autoria:

Pedro Silva
Escola Superior de Educação de Leiria
Pedro Silva
Escola Superior de Educação de Leiria

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