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Na minha terra, senhor ministro, lembrei-me de si...

A minha terra, senhor ministro, é uma próspera vila do do sul do concelho da Figueira da Foz, de seu nome, Paião, bem conhecida porque, na minha juventude, eram às dezenas as oficinas de alfaiate que, ao fim de semana, iam levar obra, primeiro, de bicicleta, depois de motorizada, mais tarde, de automóvel, muitas dezenas de quilómetros em redor.
O seu camarada Santana Lopes conhece-a bem, deixou lá obra, nomeadamente uma piscina de invejar muitas cidades deste país à beira-mar plantado.
Foi administrada, até há semanas, por um autarca muito dedicado à causa do serviço da comunidade e dos seus concidadãos, independente autêntico proposto pelo seu partido, vitimado, quando ainda muito tinha para dar à minha terra e aos meus conterrâneos, por uma síncope, resultado da sua dedicação e de invejas e de baixas manobras políticas, a que não resistiu.
Não pode, pois, acusar-me, senhor ministro, de ser movido por animosidades ideológicas. A esse nível, devo dizer-lhe que a minha trincheira é outra.
Na minha terra, senhor ministro, há outra bandeira que, nós, os paionenses que lá vivem e trabalham ou lá voltam episodicamente, erguemos com orgulho: não existe lá o flagelo do desemprego!
Infelizmente, como profissional da educação em fim de carreira, lamento que não possamos dizer o mesmo de outro flagelo sócio-cultural não menos grave: o analfabetismo, ou a aliteracia, como agora se diz.
Dirá que é uma pesada herança de outros tempos, de outros antecessores seus da 5 de Outubro e do Campo de Santana, de quem me lembro muito quando ouço os seus discursos, senhor ministro.
Por que me lembrei eu de si, senhor ministro? Já lhe conto.
Estava na fila dos correios quando reparei no gesto de um "mais velho" (como dizem os meus irmãos angolanos, da minha infância, das minhas primeiras letras, dessa Angola que, agora pacificada, vai atingir, um dia, uma invejável prosperidade) e prestei atenção: em cima do balcão jazia "naturalmente" uma almofada de carimbo para efeitos de identificação de quem não sabia sequer assinar o nome. Não era o Arquivo de Identificação, era uma estação dos correios, não de uma aldeia do interior profundo, mas de uma próspera vila do litoral a 5 km do Oceano Atlântico.
E pensei, que aquele homem, senhor ministro, como outros "mais velhos", podia ter sido, há 20, 30 anos, um dos meus alunos adultos (depois supletivos, recorrentes) num colégio, externato ou escola oficial (porque em todos ensinei, senhor ministro), do Grande Porto, muitos dos quais, obtiveram depois notáveis promoções pessoais e profissionais, alguns dos quais, partiram da 4ª classe para chegarem a uma licenciatura. Mas isso, senhor ministro, foi noutros tempos, porque agora, vocelência, puramente e simplesmente, interdita-os!
Por mais que os meus amigos dirigentes sindicais me digam que nas reuniões vocelência se costuma apresentar bem preparado, (deixemos, en passant, alguns informáticos estranhos aconselhamentos), eu tenho o direito de duvidar.
Vocelência, com as suas medidas anti-educação e anti-cultura faz dos Lopes de Almeida, Pires de Lima, Carneiros Pachecos, Leites Pintos, Veigas de Macedos, Veigas Simões e outros, angélicos meninos de coro.
Vocelência, senhor ministro, ocupado que andou a almoçar nos Gambrinus de Oeiras com os empresários dos Mercedes da construção civil, ignora que, quando o ensino oficial nos anos 70, se lançou no ensino de adultos, com grandes oportunismos e grandes benesses para os professores liceais, o fez envergonhada e atabalhoadamente para colmatar uma grave lacuna, com a qual, até então, só o ensino particular se preocupara em colmatar.
Vocelência ignora, senhor ministro, que essa mal parida treta das unidades capitalizáveis, cujo inevitável fracasso agora lhe servem de pretexto para as suas desastradas e desastrosas medidas, foi mais uma modernice improvisada à pressa, como tantas outras, mal assimilada, para "encher o olho", de que me limito a referir, por pudor, os sintagmas que, sem perceberem do que se tratava e a quem se destinavam, foram buscar ao revolucionário consequente Chomsky, o perseguido de todos os Reagans e Bushs, senhores convictos deste mundo, mas, de facto, os grandes responsáveis (e fomentadores do) pelo terrorismo internacional.
Senhor Ministro, como o S. Sebastião nos Arcos do Jardim em Coimbra, "basta de tanto sofrer", deixe as crianças, os pais, os professores, o ensino, a educação em paz.
Volte para Oeiras! Os empresários dos Mercedes da construção civil estão cheios de saudades suas.
Deixe-nos em paz!


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 115
Ano 11, Setembro 2002

Autoria:

Costa Carvalho
PQND, Escola EB 2/3 de Canidelo
Costa Carvalho
PQND, Escola EB 2/3 de Canidelo

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