De livro a livro, a escrita de José Viale Moutinho ganha outros matizes,
torna-se mais linear e poética no sentido de transfigurar ou de reabilitar os
lugares e as gentes que se tornam vivas e reais nas histórias que sabe contar,
como em Romanceiro da Terra Morta agora reeditado na "Campo das Letras"
com o título de Apenas uma Estátua Equestre na Praça da Liberdade - um
conjunto de histórias cruzadas de pessoas e terras que permanecem no horizonte
de um "imaginário" colectivo, quase parado no tempo ou onde o tempo chega e se
impõe matizado por outros ritmos e desejos. Na forma de oralidade que utiliza,
a "escrita" de Viale Moutinho, directa e objectiva, descrevendo por vezes com
excessivos pormenores o que se adivinha nas primeiras linhas, prolonga por
outros caminhos de entendimento o mesmo "fabulário" colectivo de haver gentes e
histórias que, falando dos seus problemas e inquietações, protestos e raivas
caladas, e um secreto sentimento de culpa por não poder ser outro o seu
destino. Mas não há qualquer espécie de condenação: com o temperamento e a
índole de escritor que também é jornalista, ganha outros retoques a "imagem"
que descreve ou o "quadro" que evoca, e esse olhar se confunde na fixação
imediata de contar o que observa e se desdobra em planos cruzados de outras
memórias, como na admirável história "Apenas uma Estátua Equestre na Praça da
Liberdade", onde propositadamente se vê e revê o que é de hoje e foi de ontem,
nos sinais repetidos de manifestações e protestos, alegrias e fugas, exaltação
e entusiasmo. E é nesse plano simbólico e narrativo de saber fixar as pessoas e
os lugares que Viale Moutinho se afirma um excelente narrador, como uma vez
mais acontece em Cenas da Vida de um Minotauro ("Prémio Literário Orlando
Gonçalves" e "Grande Prémio do Conto /Camilo Castelo Branco", da Associação
Portuguesa de Escritores, onde se reunem diversas ficções em que aborda
"problemas" que têm sempre muito a ver com o seu "universo" literário, seja a
revolução da Madeira, a do 3 de Fevereiro de 1927 no Porto, a guerra civil de
Espanha, a emigração clandestina, o património cultural vandalizado ou ainda
uma sentida evocação do grande poeta nascido no Porto, José Gomes Ferreira, no
centenário do seu nascimento. De tudo isso Viale Moutinho nos fala de novo com
a segurança e o rigor das diferentess referências culturais ou políticas, no
sentido de consolidar uma obra ficcional que possui as suas singularidades e se
afirma de facto de uma qualidade literária não muito corrente no domínio do
conto ou da ficção narrativa.
ÂNCORA Editora, Lisboa, 2002
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