Há quem diga que mediterrâneo é sítio de oliveiras. Avistar
uma oliveira é ver o mediterrâneo. Neste mar, um dos portos de abrigo é Terena,
no concelho do Alandroal, onde decorreu, em finais de Março, o primeiro Congresso
Português de Cultura Mediterrânica, promovido pela Confraria do Pão.
A par do louvor do pão, esse "insubstituível mitigador da fome", que alimenta
o homem há milhares de anos, como sublinhou Emílio Peres, presidente da Sociedade
Portuguesa de Ciências da Nutrição e da Alimentação, o congresso também serviu
para reafirmar identidades que podem estar em perigo.
"Ninguém vive bem o futuro conhecendo mal o passado. A onda de globalização
emergente e que, de modo devastador, varre o Mundo representa para Portugal
um acrescido risco de aculturação", lembrou João Duarte Gouveia de Freitas,
presidente da comissão organizadora do congresso.
Por ele ciceroneados, ouvimos alertas contra galopadas impacientes e frenéticas
rumo à Europa que, ao "alijar borda fora a nossa herança cultural", nos desnudam,
despojam e empobrecem, obrigando-nos a regressar a casa, em busca da identidade
perdida, mais cedo do que julgavamos.
No mesmo sítio onde, há quase um ano, no centenário do nascimento de Bento de
Jesus Caraça, numa homenagem prestada pela Confraria do Pão, uma componesa alentejana,
comovida, recordou o mestre como sendo um "senhor" que ia ao casamento dos pobres,
o que era raro num Alentejo dividido em classes, Eduardo Lourenço, outro dos
oradores do Congresso da Cultura Mediterrânica voltou a dizer que "não se nasce
impunemente português".
Mas como sublinhou o presidente da comissão organizadora do congresso, um médico
radicado em Coimbra, cujo nome de guerra será sempre, para quem com ele conviveu,
João Duarte, a iniciativa não foi um cortejo de "múltiplas sapiências, mais
ou menos eclético, com algum folclore à mistura".
O congresso não integrou (mas poderia ter integrado) uma peregrinação à Terrona,
uma azinheira da Extremadura, a mais grande de toda a Espanha, a mais velha
do mundo, de que se sabe a idade de oito séculos, entre Zarza de Montánchez
e Trujillo, por terras de Cáceres, que a Confraria do Pão já homenageou.
Azinheira também é árvore do mediterrâneo, principalmente esta, que o Luis Monte,
outro "companheiro desta aventura da vida", tão bem fotografou, captando-lhe
a sombra secular, como se fosse a de um enorme mês de Abril que renasce não
apenas em Portugal, mas em terras de Espanha e no resto do Mundo que resiste.
"Afinal o que é o Mediterrâneo? Mil coisas ao mesmo tempo. Não uma paisagem,
mas inumeráveis paisagens. Não um mar mas uma sucessão de mares. Não uma civilização,
mas civilizações empilhadas umas sobre as outras. O Mediterrâneo é uma encruzilhada
muito antiga. Desde há milénios, tudo confluiu para ele, misturando-se, enriquecendo
a sua história", como escreveu Fernand Braudel, recordado em Terena num texto
de Predrag Matvejevic que compareceu no congresso, embora ausente.
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