Numa altura em que a problemática do in/sucesso no ensino
superior está na ordem do dia, impõem-se umas tantas reflexões sobre alguns
paradoxos latentes que, subsistindo ao longo dos debates, acabam por se tornar
autênticos tabus e ameaçar a sustentação, a um tal propósito, de um sempre imprescindível
discernimento.
Escolhemos, entre outros possíveis, três tópicos que, neste âmbito, julgamos
serem exemplares:
- O insucesso dos estudantes no ensino superior constituiu já um importante
indicador do próprio sucesso deste ensino. Assim, as universidades afirmavam-se
junto dos seus rivais mais próximos, que eram os institutos comerciais e industriais,
ao forçarem os seus alunos a abandonarem-nas e a procurarem alternativas nestes
últimos, exactamente por isso estigmatizados e subalternizados. Letras,
por seu turno, eram tretas. Até dentro de um mesmo curso, a hierarquia
informal das disciplinas definia-se pelas respectivas percentagens de reprovações.
Essa hierarquia repercutia-se, entretanto, na imagem pública dos professores,
sendo que os sábios se confundiam invariavelmente com os carrascos
mais refinados.
Ora, esta tradição enforma ainda a ideologia universitária, acontecendo que,
muitas vezes, os próprios estudantes a repercutem e alimentam quando, por
rivalidade académica, distinguem, em gíria, os cursos dos recursos,
reiterando no senso comum estereótipos de que, depois, são as primeiras vítimas.
- Quando, hoje em dia, se lamentam os elevados índices de insucesso verificados
no ensino superior, esquece-se que tal fenómeno - de acordo com o assinalado
no ponto anterior - não está homogeneamente distribuído, sendo, a este nível,
muito díspar o que se passa, por exemplo, nas escolas de engenharia relativamente
às áreas das humanidades ou, de uma maneira geral, nas instituições universitárias
por comparação com as politécnicas e ainda no ensino público em confronto
com o particular.
A complexidade do fenómeno obriga-nos a questionar a linearidade da relação
entre a origem sócio-cultural dos estudantes e o seu êxito na prossecução
dos estudos. Na verdade, os dados disponíveis parece permitirem-nos concluir
que os alunos que frequentam os cursos de humanidades, o ensino politécnico
e até as escolas superiores privadas provêm maioritariamente de meios desfavorecidos
sem prejuízo de revelarem, na generalidade, taxas de sucesso relativamente
elevadas...
- É um facto indesmentível que os docentes do ensino superior não dispõem
de qualquer formação pedagógica sistematicamente fundamentada e organizada
para o exercício da profissão, constatação tão lamentável quanto a da resistência
obstinada ao seu fomento. A partir daqui, contra todo o espírito científico,
as práticas desenvolvem-se sob o peso da rotina e da altivez das convicções
empíricas.
Não deixa, contudo, de ser igualmente surpreendente que, numa
época em que se propõe a construção da autonomia dos estudantes, nomeadamente
pelo desenvolvimento de competências investigativas, estas não sejam partilhadas
com professores a quem chega a ser criticado fazerem da investigação a dimensão
predominante das suas carreiras. Será apenas porque essa possibilidade não é
explorada pedagogicamente?
Com certeza que todo o percurso escolar anterior condiciona este estado de coisas.
É, todavia, também evidente que, a jusante, bem aquém da demagogia dos discursos
políticos, as competências que o mundo social e empresarial de facto exige apelando,
no silêncio, ao pragmatismo -, se confinam, em geral, às que servem a repetição,
a passividade e a submissão. Por muito que nos custe, estas são, no fundo, as
matrizes que suportam o nosso triste estádio de (sub)desenvolvimento no ranking
europeu...
O sucesso do ensino superior impõe, antes de mais, a consideração, sem preconceitos
de qualquer tipo, de pontos críticos como estes, sob pena de, caso contrário,
perplexos e indefesos, termos de continuar a constatar que, nele, o insucesso
é, afinal, a razão e o corolário do seu sucesso!
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