À minha geração
1. O problema.
Sabemos que os Mandamentos, cristãos romanos, presbiterianos,
ortodoxos, calvinistas; judaicos, ortodoxos, rabínicos, outros; muçulmanos de
diversos clãs; teístas, ateus, agnósticos, monárquicos ou republicanos, são
apenas Dez. Leis para o comportamento da interacção entre seres humanos e os
bens. Daí, os Dez Mandamentos. Peça fundamental da nossa cultura ou formas de
pensar para materializar as nossas ideias em pessoas, emoções, ideias, recursos.
(...) Amarmos e sermos amados. É a síntese final dos Dez Mandamentos. (...)
Amar e honrar os pais, é um antigo ditado correlacionado com as posses, as curtas
vidas, a vida em família, e vizinhança certa. Épocas certas com relações certas
em tempos certos. (...) O certo é apenas que a pirâmide das relações sociais
viraram do avesso. Aí onde sempre soubemos que a pater-maternidade era uma forma
de amar e sermos amados. Tenho-o assim observado, ao analisar as interacções
entre ancestrais e descendentes: esses que nunca mais morrem, esses que nunca
mais crescem. E os Dez Mandamentos ficaram curtos demais para definir actividades
autónomas, individuais e segredos, que a cultura da época de Moisés não pensou.
2. Ser filho.
Dentro de cultura que falo, um ser dependente que não sabe
colocar-se no mercado para trocar a sua força de trabalho por um salário ou
outros bens de proveito para a família. Como tenho definido mil vezes, ser filho
é uma conjuntura que passa rápido, é um voo entre o nascimento e a independência
que dá o saber fazer. A criança é um pestanejo na história da vida familiar,
parental e vizinha. Um isco que traz todas as correcções implícitas no saber
cultural do adulto, esse ser suposto de possuir os pequenos para os acabar de
fazer. A feitura dos mais novos começa na sua gestação e continua pela vida
dentro, na transferência de habilidades que permitam entender as palavras, os
conceitos, as relações adequadas e necessárias de evitar ou alimentar. Ser descendente,
é a escola de sociologia e antropologia do quotidiano. (...) Ser filho, é parte
extra-uterina da procriação. Até ao dia em que o mais novo opta, devagar, pelo
seu estilo de vida e define actividades não pensadas dentro do grupo doméstico.
E, a usar a sua gentileza e a sua emotividade, manipulando os mais velhos para
dentro das suas ideias ou impondo o seu sentir e pensar. Com sucesso ou não.
O nascimento acaba no dia dessa liberação das definições familiares. E começa,
só e separado dos seus ancestrais, lentamente a ser adulto também.
3. Adultos de duas gerações.
Coabitação difícil de viver. Causa da minha meditação de hoje.
A fatia mais difícil de engolir da minha interrogada interacção social. Mal
comece o descendente a aprender a optar, a amar e ser amado fora do lar, a casa
passa a ser um sítio de passagem e as opiniões dos adultos, cantigas de amores
de Santa Maria... O amor do mais novo não é comparável ao do adulto ainda jovem.
O mais novo tem a paixão que os seus adultos um dia tiveram. O mais novo ama
com o corpo: sente, não pensa. Avança sem reparar nas consequências. Jura lealdade
que nem sabe se pode ou deve manter. Até passar para outra relação. E experimentar
outras: ou de paixão, ou de trabalho, ou de aprendizagem, ou de desafiar a realidade
com ideais que pode denominar anarquistas: a sociedade não presta, deveria ser
de outra maneira.
Lentamente, com a sua inteligência, estrategiza as formas
de agir para converter o seu mundo numa actividade que convém aos seus objectivos.
O agir jovem é atrevido e define o que os mais velhos "deveriam" fazer. "Deveriam".
Especialmente, para não ficar tenso pelos dissentimentos acumulados no anos
de vida dos seus mais velhos, esses que eles não querem ouvir nem saber: têm
os seus, aprendidos com a sua própria sabedoria e o saber do mais grande, é
um saber obsoleto, precisa de ser evitado (...).
4. Conclusão.
Se o nascimento dos filhos acaba no dia da sua emancipação,
a infância do adulto começa nesse dia. É hábito dos mais antigos dar lições
aos descendentes, crescidos ou não. Especialmente, na criação da nova descendência.
Tenho observado no meu trabalho de campo a atitude dos mais novos, um desentendimento
total com os mais velhos. Ou, uma aceitação parcial, com dia e hora taxados,
para continuar a agir com liberdade dentro do seu novo grupo familiar. Toca
ao adulto saber ver, ouvir e calar. Passa-se a ser filho dos filhos. A aceitar
as suas recomendações e os seus interditos, especialmente no que diz respeito
à sua privacidade e à criação dos seus rebentos. À nossa frente há uma outra
família que, ainda que feitos por nós, os seus membros, é um grupo diferente,
para os quais as experiências dos pais, não fazem sentido nenhum, especialmente
na comunicação com a terceira geração.
Porém, o mandamento, objecto das minhas meditações pascalianas
no dia de hoje, é o novo modo de agir com a juventude: amar, observar e responder
apenas se formos perguntados. E responder dentro da forma de pensar e de agir
que, penso, os adultos maiores devem saber para "permitir" a liberdade procurada
dos nossos descendentes. Eis que somos filhos, na observação da linguagem, objectivos
e comportamentos, dos seres que criamos e, que, natural e culturalmente, um
dia também são adultos e pais como nós.
Daí o Mandamento, virado do avesso: Honra teus filhos e sê
submisso a eles para ter uma longa vida na terra e cumprir as responsabilidades
primordiais da família, como diz o Catecismo Cristão Romano de 1992, no seu
Capítulo 4, artigos 2197 e seguintes. Transmudado por mim para esta redacção,
por causa do neo-liberalismo que governa as nossas vidas, haveres e, porém,
as emoções não transladas de pais a filhos e muito desenvolvidas e mudadas de
filhos para pais. (...) É suficiente ler a História, para entender a dificuldade
do convívio entre Séculos diferentes, tal e qual o é entre a nossa geração e
a seguinte.
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