Albano Estrela ou o Porto entrevistado e sempre lembrado
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Nascido no Porto (1933), Albano Estrela é professor catedrático da Faculdade
de Psicologia e de Ciências de Educação de Lisboa, mas a par da sua carreira universitária
e das várias obras publicadas no âmbito da Educação, tem-se dedicado também à
poesia e à prosa de ficção, como acontece neste último livro Porto Entrevisto
(2001), que aparece não para se integrar na vaga comemorativa do "Porto-Capital
da Cultura", mas sobretudo para recuperar e reviver a própria cidade da sua infância
e adolescência.
Vivendo em Lisboa desde 1963, o sentido nostálgico das casas, ruas e pessoas,
coisas e lugares que na cidade à beira-Douro ficaram na memória (e daí o subtítulo
deste conjunto de histórias melhor se perceber: "Três paisagens com gente dentro")
e permanecem como o "húmus" que se não perde na distância dos anos. E a presença
da casa e da família, num ambiente burguês e pacato das ruas de Costa Cabral,
Lindo Vale, Constituição e Marquês, é dada em imagens que, pelo sentido descritivo
e expressivo tão pessoalmente oferecido ao leitor, cativam e enternecem quem desses
mesmos lugares guarda boa memória ou por aí o seu périplo se faz ainda de muitas
lembranças e histórias de pessoas vivas, com os seus tiques ou preconceitos, com
as suas misérias e grandezas, enfim, é um Porto tranquilo e provinciano dos anos
trinta e quarenta que de forma poética desfila pelas páginas deste livro de Albano
Estrela.
Pelas suas interessantes histórias se redescobre uma outra cidade, não diferente
da de Nobre ou de Brandão, não tão desconhecida como em José Gomes Ferreira ou
Viale Moutinho, nem mesmo tão singular como nos romances de Agustina Bessa-Luís
ou de Mário Cláudio. Mas é um Porto realmente entrevisto no acaso dos lugares
e da memória de gentes que viveram e passaram ou aqui se recuperam pelos olhos
de espanto do próprio autor que tudo evoca ao correr das suas narrativas, seja
o violento ciclone, o barco encalhado na barra, o voo do "Alouette" ou mesmo um
passeio de novo imaginado pelas margens do Douro ou da Foz, ainda na lembrança
da guerra que acontecia bem longe ou mesmo do conflito israelo-árabe.
Não se trata de um livro para os mais "bairristas" ou "saudosistas" do Porto,
mas antes de uma "viagem sentimental" que nos conduz a um tempo em que a cidade
mal se movia para fora de portas (e a zona do Marquês e Costa Cabral era já longe
das andanças de todos os dias), mas tudo se faz pela arte e qualidade literária
de Albano Estrela saber levar os seus leitores por paisagens hoje mal decifradas
ou vislumbradas, ainda na evocação das famílias do nosso contentamento e quando
os sonhos de adolescência quase não iam além dos cafés, do liceu e do bilhar,
em dias tristes e cinzentos, muito tristinhos e escuros como esta cidade de pedra
que sempre perdura na memória de quem nela nasceu, cresceu e viveu e para sempre
a não pode esquecer. No bem e no mal de todas as horas ou dos muitos anos passados.
E, de longe, numa forma de fraternal saudação a Albano Estrela, podemos ainda
dizer depois da leitura deste livro: "Viva o Porto!"
Serafim Ferreira / crítico literário
Albano Estrela
PORTO ENTREVISTO
Três paisagens com gente dentro
Ed. Campo das Letras / Porto, 2001.
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Ficha do Artigo
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Edição:
Ano 10, Dezembro 2001
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Autoria:
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
Escritor e Crítico Literário, Lisboa. Colaborador do Jornal A Página da Educação.
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