Professora, meu filho (ou filha) saiu-se bem no exame?
Esta indagação acompanha a relação
entre pais e mães e escola. Revela preocupação com a aprendizagem
das crianças, demonstrando crença no papel da escola e da ação
docente.
Quando a resposta a esta pergunta é afirmativa gera
alegria. Um bom exame é visto como demonstração de que
o ensinado foi aprendido, de que a criança está preparada para
novas aprendizagens, de que ela cumpriu suas obrigações. Os bons
resultados nos exames resultam em elogios e prémios para as crianças.
Mas, o que ocorre quando a professora responde: não,
seu filho, ou filha, não se saiu bem no exame?
Então, a história muda. Há decepção,
produzindo ações com o sentido de mostrar à criança
que suas atitudes não foram corretas: ela não estudou o suficiente,
não realizou adequadamente suas tarefas, não prestou atenção
às aulas. A negação aparece com frequência. O processo
ensino/aprendizagem é considerado nulo e, quase sempre, a criança
é culpada por seu insucesso. Os maus resultados trazem reprimendas e
castigos.
Bagunceiro(a), desatento(a), cabeça dura, lento(a)...
Palavras que passam a povoar as referências à criança que
não obtém bons resultados.
Todo o debate em torno da validade dos exames e da relatividade
dos resultados alcançados, ainda não eliminou estas duas reações,
tanto da família quanto da escola, em relação ao sucesso
ou fracasso das crianças. Considero relevante refletir sobre o que significa
não se sair bem nos exames; perguntar o que leva à conclusão
de que uma criança fracassou; questionar se realmente há justificativa
para que cada conteúdo só possa ser aprendido em um determinado
momento da trajetória escolar e que se ele não for aprendido a
criança não conseguirá aprender os conteúdos seguintes.
Perguntar, também, o que significa para uma criança ser vista,
e se ver, como incapaz; se isso a ajuda a avançar em seu processo de
aprendizagem e desenvolvimento.
Em alguns lugares não há reprovação
ao longo da escolaridade obrigatória, mas esta definição
não eliminou o debate sobre a não seletividade na escola básica
obrigatória. Permanece a concepção de que a seletividade,
marcada pela possibilidade da reprovação, garante a qualidade
do ensino. O fato de que todos os/as aluno/as sejam aprovados, simplesmente
porque não podem ser reprovados, não é sempre compreendido
como reconhecimento de que todos aprenderam. Como a aprendizagem não
é a mesma para todos, a diferença faz com que algumas vezes a
aprovação de todas as crianças seja vista como resultado
da falta de compromisso e de qualidade. Embora o compromisso e a qualidade sejam
os elementos que justificam a proposta de que todas as crianças sejam
aprovadas.
A discussão sobre a aprovação ou reprovação
como garantia da qualidade da educação coloca em segundo plano
o debate sobre a democratização do ensino e sobre a produção
das condições para que a democratização efetivamente
aconteça. A avaliação se mantém um ato impregnado
da cultura social da discriminação e do fracasso; um processo
vinculado à classificação e ao controle, com pouca ou nenhuma
contribuição para a constituição de uma educação
democrática. ? preciso, portanto, indagar o sentido que a avaliação
vem assumindo como parte do processo ensino/aprendizagem para que sua redefinição
se insira no debate sobre a escola democrática.
Relacionando seletividade, reprovação, qualidade
e compromisso, estamos olhando para a aprendizagem apenas como a capacidade
da criança reproduzir algo que lhe foi ensinado. Relação
que não considera todo o processo vivido pela criança, o movimento
da aprendizagem, a dinâmica do ensino e o contexto social no qual se insere
a prática pedagógica.
Convido o leitor, ou leitora, a pensar que, independente do
resultado escolar, toda criança aprende e se desenvolve durante o período
letivo; sua vida prossegue, apesar da escola; o tempo vivido não volta,
e a escola deixa marcas significativas; as experiências que a criança
teve não são apagadas, mesmo que não se traduzam em resultados
positivos nos exames; o seu corpo mudou, embora muitas vezes a escola ignore
a relevância desse fato; ela aprendeu muitas coisas no seu cotidiano,
ainda que nem sempre tenham sido relacionadas às aprendizagens escolares;
a sua relação com a vida vai se transformando, apesar dos possíveis
maus resultados escolares. O vivido não será repetido, mesmo que
a escola considere que os resultados nos exames indicam a reprovação.
Se aprovada, embora considerada com rendimento insuficiente,
a criança terá o atendimento necessário? Terá a
qualidade de seu processo reconhecido? Se reprovada, a criança fará
outra vez a mesma série escolar, no entanto a fará de outro modo,
com outros colegas, mais novos possivelmente, talvez com outra professora, e
trazendo as múltiplas aprendizagens que fez e que não foram suficientes
para sua aprovação. Será que contribui realmente com a
aprendizagem da criança repetir o que ela já havia visto? Será
esta a melhor maneira de ampliar o conhecimento infantil?
Entendo que não. Entendo que a escola precisa proporcionar
novas experiências para a criança, criar meios para que ela possa
vivenciar situações desafiadoras, que a levem a aprender coisas
novas, a aumentar seu conhecimento, a saber mais do que sabia antes, sem pontos
de partida ou de chegada pré-estabelecidos. A escola não pode
ser um impedimento para que a criança siga seu percurso, não deve
criar obstáculos para o peculiar processo de aprendizagem e desenvolvimento
que cada criança vive participando do movimento coletivo que a escola
permite. A escola precisa auxiliá-la em seu trajeto, construindo estruturas
de apoio, quando forem necessárias. Não cabe à escola fazer
a criança parar seu processo ou nele retroceder.
A avaliação pode contribuir com esse processo
tomando como referência, no lugar dos padrões predeterminados,
a indagação sobre o que a criança aprendeu, como está
acontecendo seu desenvolvimento, o que suas respostas e ações
informam sobre sua aprendizagem, como esta aprendizagem se relaciona aos conteúdos
escolares. Neste processo é preciso questionar a importância dos
conteúdos, observar que há diversas formas deles serem ensinados
e aprendidos, identificar os múltiplos caminhos que as crianças
percorrem para aprender e reconhecer a existência de formas variadas de
demonstração da aprendizagem. Esta avaliação certamente
indicará que a criança deve ser aprovada, por encontrar indícios
de sua aprendizagem e desenvolvimento.
A escola democrática é aquela em que todas as
crianças são aprovadas. A escola precisa assumir o desafio de
contribuir para que a aprovação seja resultado de um processo
significativo para a aprendizagem de todas as crianças.
Maria Teresa Esteban
Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense.
Pesquisadora do grupo Alfabetização dos alunos das classes populares.
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