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Estratégias para a Educação Multicultural

Incapacidade de compreender sistemas complexos

Um dos principais problemas que impedem a compreensão mútua e o espírito de tolerância entre as diversas comunidades de uma região, é o etnocentrismo. As pessoas que pensam que o único "raciocínio normal" é "o seu próprio raciocínio cultural" são incapazes de aceitar outras culturas.

A intolerância, o racismo e a xenofobia apresentam características similares: a tendência a dar respostas simplistas a problemas complexos e a adoptar uma atitude etnocêntrica. Essa incapacidade para compreender sistemas complexos é um factor negativo na medida em que pode levar a aceitar respostas simplistas a problemas complexos e a estar de acordo com propostas racistas e xenófobas.

A incapacidade de compreender sistemas complexos não é inata. A investigação educativa realizada em diferentes países indica que, frequentemente, os alunos deixam a escola sem captar os sistemas complexos e pensam de forma linear, enquanto que os fenómenos da realidade circundante se manifestam de forma não linear, numa rede complexa de causalidades. Não obstante os programas de estudo compreendem disciplinas relacionadas com sistemas complexos como a ecologia, a biologia e a psicologia. Estes resultados mostram a necessidade de formular novas estratégias e métodos para melhorar a capacidade dos estudantes na compreensão de sistemas complexos.

Qualquer estratégia ou método implementado para desenvolver a capacidade dos estudantes, torna-se inútil se os próprios docentes não possuem a mesma. A experiência em matéria de formação docente parece indicar que grande parte dos mesmos não têm capacidade nem de compreender nem para ensinar sistemas complexos. Nesse caso é necessário analisar a importância deste fenómeno e determinar as melhores soluções.

Identificação dos obstáculos para a aprendizagem

Não é fácil adquirir conhecimentos científicos básicos. Ouvir um docente que transmite informação científica é, frequentemente, insuficiente para assimilar novos conhecimentos. Um dos princípios básicos do ensino das ciências, consiste em analisar a aprendizagem dos conceitos científicos e propôr métodos que auxiliem a sua assimilação. O princípio fundamental estabelece que a aprendizagem não deve limitar-se a uma simples aquisição de novas informações mas, antes pelo contrário, ser um processo complexo de transformação de marcos conceptuais. Os obstáculos para a aprendizagem podem ser de ordem afectiva, religiosa, cultural, lógica ou conceptual.

A hipótese principal da metodologia da investigação indica que os processos de aprendizagem dependem de uma rede de ideias, crenças, capacidades lógicas e linguísticas, conhecimentos e competências que os indivíduos desenvolvem e empregam para assimilar novas informações e adquirir novos conhecimentos e competências. Essa rede está organizada dentro de um sistema chamado "sistema cognitivo". Este pode contribuir para a assimilação de certos conhecimentos e aquisição de certas competências trabalhando ao mesmo tempo a aprendizagem de outras noções. Se os professores identificarem os obstáculos à aprendizagem, poderão conceber programas de formação que ajudem os alunos a superá-los.

Para os identificar, é possível aplicar uma metodologia que consiste principalmente em analisar as concepções (ideias, crenças, conhecimentos), as capacidades e as atitudes dos estudantes, utilizando questionários de respostas livres complementadas com entrevistas individuais e discussões em grupo. As perguntas estão concebidas de tal maneira, que permitem analisar os conceitos dos estudantes sobre determinado tema e a sua aptidão para o tratar, e não só a informação que eles possuem sobre o dito tema. As perguntas devem ser abertas e não proporcionar pistas sobre a resposta "boa". Diagramas e esquemas podem complementar as perguntas. A validade das respostas é demonstrada com a ajuda de perguntas complementares sobre o mesmo tema. O "segredo" consiste em formular perguntas às quais é impossível responder com informações memorizadas. Esta metodologia de investigação necessita de uma capacidade específica, que exige uma formação adequada, em particular na análise de concepções e capacidades "escondidas" por trás das respostas. As entrevistas e as discussões em grupo permitem obter mais detalhes sobre as capacidades, as concepções e os obstáculos para a aprendizagem dos estudantes e confirmar os resultados obtidos pelos questionários. A metodologia foi também aplicada durante a formação de professores de ciências e proposta como elemento básico na formação de docentes de todas as disciplinas. A sua utilização no ensino permite uma análise contínua dos obstáculos à aprendizagem. Esta informação é útil para organizar cursos "à medida", que adaptem as actividades às necessidades e dificuldades do grupo. Também é um bom instrumento para avaliar as estratégias, os conteúdos e os métodos de ensino. Se os estudantes não transformarem as concepções nem superarem os obstáculos que encontram na sua aprendizagem, não poderão adquirir os conhecimentos que se procura oferecer-lhes.

O enquadramento territorial

O enquadramento multidisciplinar de formação - chamado "enquadramento territorial" - implementou-se com o objectivo de estimular a organização de conceitos, ensinados em diferentes disciplinas, com a finalidade de adquirir a capacidade de compreender sistemas complexos para superar o etnocentrismo e permitir que os alunos se familiarizem com as diferentes comunidades, sua história e suas relações com os sistemas ambientais.

O enquadramento territorial está baseado no estudo da comarca onde residem os estudantes, que analisa os diferentes sistemas desse meio, económicos e sociais, e sua evolução. Também são estudadas as relações entre todos esses sistemas e são examinadas as consequências das actividades humanas sobre o meio ambiente. Relaciona-se a história das diferentes comunidades de acordo com os vínculos que mantêm com as outras comunidades e com os sistemas ambientais.

As principais dificuldades de aprendizagem que encontraram os estudantes - dimensões, mudanças de escalas nos processos, relações entre os níveis microscópicos e macroscópicos, etc. - podem ser analisadas dentro das diferentes disciplinas. Cada docente deve destacar os conceitos provenientes de outras disciplinas e indicar o significado particular que adquirem na disciplina que o mesmo ensina. Diversas disciplinas podem reagrupar-se à volta de um tema particular, por exemplo o território local ou a comarca. Estudar a zona em que vivem pode motivar os estudantes e permitir-lhes relacionar as ciências humanas (História, Ciências Políticas, Geografia Humana) com outras ciências (Ecologia, Geologia, Química, Física, Biologia, etc.). Cada uma dessas disciplinas pode centrar-se sobre um aspecto particular da zona e fazer associações com as outras disciplinas. Um professor de História, por exemplo, pode ensinar os principais processos históricos e, ao mesmo tempo, examinar as transformações do meio ambiente, os aspectos geográficos, a evolução económica, etc. Um professor de Ecologia pode começar por descrever os principais ecosistemas da zona, mas depois continuar com a análise do impacto das actividades económicas e suas relações com os processos históricos. Deve-se incentivar os estudantes para que encontrem e estabeleçam relações entre as diferentes disciplinas.

Uma das vantagens desta metodologia é permitir que se termine com o estudo de temas isolados, que os estudantes consideram tão pouco pertinentes. Ela mostra como todos os campos do conhecimento, podem ser integrados e aproveitados para adquirir novos conhecimentos.

Este enquadramento foi ensaiado no "Parque Natural do Tesino" (Suiça) por uma equipa da universidade de Pavía (Itália) em colaboração com a OIE, que formou, mestres e professores em serviço, em temas do meio ambiente. A formação de docentes consistiu numa reunião inicial , numa visita guiada e num seminário de uma semana. Durante o seminário os participantes assistiram a cursos sobre métodos de ensino das ciências (em particular sobre a análise das concepções dos estudantes, a detecção de obstáculos à aprendizagem e de conceitos estruturantes). Outros cursos referiram-se à história, à economia, à geografia e à ecologia do Parque. Os participantes, organizados em equipas multidisciplinares, analisaram mapas e documentos antigos com a finalidade de atrasar o trajecto do caudal do rio tal como era no passado, a distribuição das casas, das igrejas, das mansões e castelos e das rotas e inferir sobre as suas relações com as actividades económicas e sociais. Analisaram a evolução tecnológica e a repercussão das actividades humanas sobre os sistemas do meio ambiente. A análise das transformações registadas nas actividades económicas, sociais e religiosas foi associada à da transformação dos sistemas do meio ambiente e ao estudo da evolução da tecnologia.

Numa segunda fase do seminário, as equipas de docentes estudaram os recursos disponíveis em cada época histórica, a sua utilização pelas diferentes comunidades, as transformações necessárias para serem utilizados pelo Homem, as consequências das actividades humanas sobre o meio ambiente e as possíveis soluções. Providos de todos esses elementos, os docentes definiram uma série de conceitos estruturais e propuseram estratégias e métodos para ensiná-los articulando diferentes disciplinas à volta de mesma única rede conceptual. Também prepararam questionários para analisar as concepções dos estudantes.

Os participantes sentiram-se motivados pelo enquadramento territorial. Os professores de diferentes disciplinas começaram a centrar a sua metodologia de ensino sobre dois objectivos principais: O desenvolvimento das capacidades para compreender sistemas complexos e a integração das diferentes disciplinas com o fim de obter uma rede conceptual básica sobre história, geografia, ecologia, economia, religião e tecnologia.

Desenvolvimento futuro

O enquadramento territorial deve ser ajustado às necessidades de cada país, já que se encontra centrado nas características e na utilização racional dos territórios nacionais ou locais. Este enquadramento pode ser proposto na educação para o desenvolvimento sustentado e na educação multicultural / intercultural. O mesmo figura nas "Guias para a formação de docentes em educação multicultural / intercultural" e noutros documentos elaborados pelo Projecto da OIE, "Educação Básica para a participação e democracia: problemas chave do desenvolvimento dos recursos humanos (docentes e educação multicultural / intercultural)".

O enquadramento territorial constitui também o núcleo fundamental na preparação de projectos para a formação de docentes em educação básica para os países mais pobres e na elaboração de projectos de educação para o desenvolvimento sustentado.

O enquadramento territorial precisa de uma estratégia particular na formação de docentes que estimule a formação de equipas interdisciplinares e cuja actividade central seja o estudo do território.

Fonte: UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO


  
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Autoria:

UNESCO

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