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Repensar a Formação

Ambiguidades nos Centros de Formação de Escola

No passado mês de Fevereiro tive o privilégio de assistir, na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, à apresentação de um estudo feito por José Alberto Correia, em colaboração com João Caramelo e Henrique Vaz, sobre a Formação de Professores (FP) - trabalho sobre a formação desenvolvida na região Norte do país.

Utilizando, entre outros instrumentos, a análise comparativa das acções de formação que se candidataram a financiamento no programa FOCO 2, os relatórios de execução do FOCO 1 e um inquérito aos directores dos Centros de Formação das Associações de Escolas (CFAE's) da Região Norte, este estudo poderá constituir um importante documento de reflexão e análise do estado actual da formação contínua e das mudanças a operar nesse domínio.

Neste texto debruçar-me-ei só sobre alguns aspectos dos muitos que considerei pertinentes: a constituição e adequação dos CFAE´s.

Os Centros de Formação de Associações de Escola (CFAE's) constituem-se, com alguma ambiguidade, quer como espaços de territorialização das decisões educativas quer como centros inseridos em 'processos que tendem a cristalizar posições ligadas à progressão na carreira', limitando, na maior parte dos casos, a sua actividade à oferta de acções de formação, muitas vezes descontextualizadas das realidades educativas a que, pressupostamente, deviam responder. Embora constituindo os espaços privilegiados para uma efectiva ligação entre os contextos de trabalho e a formação e para o favorecimento de interrelações entre docentes dos vários graus de ensino de uma dada região, parece que o 'sistema de créditos' desvirtuou os bons propósitos da constituição dos CFAE's. Mais do que dar resposta às necessidades educativas de determinada região, muitos deles respondem a interesses individuais tanto de formandos como de formadores: só 5,6% dos centros têm como critério de selecção dos formandos os projectos educativos das escolas associadas e em 37% dos casos o plano estratégico (que não é distribuído pelos professores) é concebido antes da planificação das acções. Mas as diferenças marcam-se também em termos geográficos: enquanto no interior o nascimento dos centros teve nos professores um forte protagonismo que se reflecte no grande peso da comissão pedagógica, nos centros 'urbanos' a iniciativa da sua constituição coube às DRE's e aos presidentes dos Conselhos Directivos, o que leva a que a gestão seja mais personalizada, menos participada, sentindo-se aí diminuído o poder da comissão pedagógica.

O desvirtuamento dos princípios a que, supostamente, os centros deveriam responder, poderá também prender-se com o desempenho das funcões de direcção. A legitimação dos directores dos centros passa pelo grau académico - metade são docentes do ensino secundário (apesar do elevado número de acções de formação que se destinam a docentes do 1.º CEB),11% possui o grau de mestre e 18% é detentor de uma pós-graduação - e pela experiência ao nível da gestão e da formação. Contudo, só 5% tem alguma experiência de gestão e 30% não tem qualquer experiência ao nível da formação.

Mas também não parece que a corrente corra a favor, no que respeita ao recrutamento de formadores: se os centros do interior têm maior dificuldade em encontrar formadores qualificados e recorrem mais a técnicos do ME, os centros 'urbanos', apesar da menor dificuldade de recrutamento, vêem-se a braços com problemas levantados pelas instituições de ensino superior quanto à disponibilização dos seus formadores. Contudo, houve dois factos, revelados neste estudo, que me deixaram mais apreensiva: o primeiro diz respeito à sub-representação de formadores do Pré-Escolar e do 1.º CEB em relação ao universo dos destinatários: 50% dos formadores provenientes do secundário e 45.5% provenientes dos 2.º e 3.º Ciclos formam os docentes daqueles graus de ensino e, apesar da sua experiência não ter sido adquirida nos níveis de ensino a que se destina a formação que ministram, são considerados formadores por avaliação curricular. O segundo, prende-se com a forma como os formadores são recrutados pelos centros e que, de algum modo, parece reflectir um 'modelo de relação individual com os directores dos centros': se, por um lado, as estratégias privilegiadas pelos directores dos centros no recrutamento dos formadores pertencentes aos 2.º e 3.º ciclos são a proposta e o convite, por outro, as estratégias são mais impessoais em relação aos formadores do Pré-Escolar e do 1.º ciclo: é utilizado o concurso. Nota-se, assim, uma forte influência dos formadores dos 2.º e 3.º ciclos e uma grande ausência de formadores do pré-escolar, bem como de formação específica para esse nível de aprendizagem: as acções de formação que lhe são destinadas não passam de 'um sub-produto' do que é produzido para o 1.º ciclo. Tudo isto leva a crer que o facto de os formadores serem acreditados enquanto tal por uma entidade (Conselho Científico-Pedagógico) na qual os centros não têm representatividade não constitui um benefício para os professores nem concorre para aumentar os efeitos - ao nível da qualidade do sistema e da inovação educacional - que, supostamente, se pretenderam, com a institucionalização da formação contínua.

Numa época em que se fala tanto de autonomia como uma forma de gerir e de orientar segundo leis próprias, vemos que, em relação aos CFAE's e aos CFP's os focos de poder continuam bem longe deles e mais longe ainda dos professores, principalmente dos que leccionam nos dois primeiros níveis de escolaridade

Talvez seja altura de os professores chamarem a si a responsabilidade da sua própria formação: quer propondo aos centros as acções de formação de que sentem mais necessitar e que mais contribuam para o desenvolvimento dos seus projectos de escola ou dos projectos educativos da comunidade em que se inserem, quer propondo ou propondo-se como formadores, quer organizando-se em Círculos de Estudos, isto é, participando activamente na animação da formação que lhes é destinada e que só assim poderá ser significativa. Aos directores de centro caberá um trabalho conjunto com as comissões pedagógicas, trabalho atento às propostas dos professores e das escolas.

Se nos envolvermos todos activamente apropriando-nos deste processo que é nosso, talvez a formação contínua atinja os objectivos que todos pretendemos, de contribuir para a mudança e inovação de um sistema educativo que, parece, não tem vindo a dar respostas adequadas às necessidades de uma sociedade que se pretende pós-moderna.

Manuela Fidalgo


  
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Autoria:

Manuela Fidalgo
Professora do Ensino Especial
Manuela Fidalgo
Professora do Ensino Especial

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